O Globo
O Banco Central tenta perseguir seus vários objetivos: tem que levar a inflação para o centro da meta, não pode derrubar demais o crescimento econômico, tem que evitar uma bolha de crédito. O mundo não facilita. Incerto e mutante, o cenário internacional diariamente agrega mais um problema que afeta o Brasil de alguma forma.
As bolsas americanas caíram por seis pregões seguidos até quarta-feira. Isso não acontecia desde fevereiro de 2009. Ontem, subiram um pouco. A Alemanha propôs oficialmente o calote grego, com alongamento da dívida do país por sete anos. A França e o Banco Central Europeu continuam contrários a essa reestruturação. Alegam que é pelos riscos ao sistema bancário, mas a Alemanha acha que é porque o BCE é credor de grande parte da dívida grega e está defendendo os próprios interesses. A Moody's ameaçou a Inglaterra de rebaixamento de rating - nunca antes na história daquele ex-império - caso o país não diminua o déficit público. A S&P e a Fitch ameaçaram os EUA do primeiro rebaixamento em mais de 70 anos. A cotação do petróleo, que estava cedendo no último mês, voltou a subir depois que a Opep decidiu não aumentar a produção.
Os juros cobrados do governo português para rolar suas dívidas atingiram novo recorde histórico: 10,29%. Os da Grécia também subiram, para 16,66%; assim como os da Irlanda, para 11,08%. Já são três os países da Zona do Euro pagando juros de dois dígitos. Na outra ponta, estão Alemanha, rolando papéis ao custo de 3,04%, e França, pagando 3,39%. As contradições dentro da Zona do Euro aumentam diariamente. Como países tão desiguais podem estar na mesma união monetária? A Grécia ontem anunciou - mais uma vez - medidas de austeridade, incluindo privatizações.
Na análise do Livro Bege, com a avaliação oficial da economia americana, o presidente do Fed, Ben Bernanke, sugeriu que os juros permanecerão zerados, mas não fez referência à nova rodada de estímulo monetário, que seria a terceira. Esse aumento do dólar em circulação é executado com a recompra pelo BC de títulos do Tesouro americano. Inunda o mercado para estimular a economia, derruba o dólar e nos afeta indiretamente. O dólar chegou a valer esta semana R$ 1,576. Nada mais barato.
Bernanke mantém os juros zerados há mais de dois anos e já recomprou mais de US$ 2 trilhões de títulos do Tesouro para incentivar a recuperação. Ainda assim, a economia não decola. O desemprego aumentou para 9,1% em maio, com a criação de apenas 54 mil postos de trabalho, contra expectativa de 160 mil. São 13,9 milhões de americanos fora do mercado de trabalho, pressionando os custos do seguro desemprego e piorando a popularidade do presidente Barack Obama, que em um ano e meio estará enfrentando as urnas.
No final do mês, acaba o segundo estímulo monetário, que despejou US$ 600 bi na economia. O problema é que a inflação está em alta, saiu de uma taxa acumulada em 12 meses de 1,6% em janeiro para 3,2% em abril. Isso dificulta qualquer socorro por essa via. Pelo lado fiscal, o déficit público deve fechar 2011 em 11% do PIB, e Obama está engessado pelo teto de endividamento do governo. Até agora não conseguiu apoio no Congresso para aumentar esse limite.
A alta da inflação, principalmente dos combustíveis, consome a renda dos americanos, reduz o consumo e diminui o crescimento. As bolsas do país, que vinham sendo destaque, mudaram de rumo. O índice S&P 500, que chegou a subir 8,9% desde janeiro, agora registra 2%. A Nasdaq tem ganho ainda menor, de 1,2%; enquanto o Dow Jones mantém 4,7%, mas depois de ter subido 10,7%.
O site americano CNN Money já fala em década perdida para o país - longo período de baixo crescimento - a exemplo do que aconteceu com o Japão nos anos 90. O endividamento dos estados é enorme. A dívida privada, contanto empresas e consumidores, está em 234% do PIB. É menor do que o pico de 283%, de 2008, mas a queda mostra que as famílias e as empresas estão adiando gastos para pagar dívidas. Isso enfraquece a recuperação.
O mercado imobiliário enfrenta um segundo mergulho no preço das residências, que voltou aos níveis de 2002. No primeiro trimestre, a queda foi de 5,2% no índice S&P/Case-Shiller em relação ao mesmo período de 2010. Foi a terceira queda trimestral seguida. Isso significa que quem carrega dívida imobiliária ficou mais endividado porque o valor de seus imóveis diminuiu. Para os bancos, também significa redução dos seus ativos, que afeta os balanços. Na avaliação que fez do relatório do Livro Bege, o economista do Royal Bank of Canada, David Onyett Jeffries, viu alguns sinais da economia recuperando, mas com redução do ritmo em várias regiões do país. Por aqui, a consultoria Tendências revisou para baixo a previsão do PIB dos EUA, de 3,5% para 2,5%.
A economia do mundo que iria se recuperar este ano enfrentou três choques: o agravamento europeu, o tsunamidesastre nuclear no Japão e a incerteza geopolítica do Norte da África. Sentiu o golpe. Este é o pano de fundo no qual o BC brasileiro tem que ancorar expectativas para levar a inflação de volta ao ponto em 2012.