Passados apenas 40 dias do novo governo, consumou-se o que era anunciado desde o fim do governo passado, após as eleições, é claro. Dizia-se ser necessária disciplina nos gastos, mediante enxugamento (sic), ao mesmo tempo em que, sem rebuços, festejava-se o maior e melhor governo de todos os tempos e o que mais gastara. E aí residia indisfarçável e inafastável antinomia. Houve quem estimasse o enxugamento em R$ 40 a 50 bilhões, enquanto outros o situassem entre R$ 50 e 60 bilhões; fixado em R$ 50 bilhões, ambas as previsões foram contempladas. Chama a atenção que o enxugamento se desse depois do endeusamento da prodigalidade do governo findo, em meio a uma publicidade até então nunca vista.
A antiguidade conheceu o século de Péricles, depois o século de Augusto, mais tarde o século das Luzes..., agora parecia ter chegado a vez do século Luiz Inácio! Fosse Serra o presidente e não faltaria quem jurasse tratar-se de uma mesquinharia ou coisa que o valha, mas vinda da própria costela do ex-presidente, para lembrar o precedente bíblico de Eva, tirada da costela de Adão, a medida só teria sentido se imperiosa a adoção, hipótese em que a explicação se chocava com as supostas e incomparáveis benemerências do governo passado. Afinal, a severidade de agora só se justificaria em face da leviandade imediatamente anterior. A própria cúpula do governo, que migrara do antigo para o atual, dizia-se preocupada com os sinais visíveis da inflação. Limito-me a registrar o fato. Aos doutos caberá solucionar o enigma. A minha preocupação é de outra ordem, impessoal e institucional, pois alguma coisa vem acontecendo e não me parece ser para melhor.
Enquanto o presidente da República é eleito com maioria absoluta em segundo turno, o seu partido não elegeu cem deputados, numa casa de 513 membros, nem a décima parte do Senado, o que não é modelo de funcionalidade. O chefe do Executivo, com seu pragmatismo, achou o caminho, entregar a vice-presidência ao seu maior concorrente. O resto foi por acréscimo, a maioria se fez numerosa, mas a um preço caro: desapareceu a oposição, tão necessária como o governo. Outrossim, um pedaço do governo foi dado em usufruto aos novos consortes, senão uma espécie de pecúlio castrense. Daí a “base aliada”.
No entanto, está me parece mais justaposta do que orgânica. Basta ver o que se passa com a fixação do salário mínimo, que não é tranquila, a despeito da numerosa “base aliada”. Outrossim, o critério para o corte dos R$ 50 bilhões pode suscitar outras surpresas. De resto, extremamente grave é o que pode ocorrer quando o governo expirante se empenha em eleger o sucessor e não consegue fazê-lo e se despe da moderação que deve conservar em seus dias derradeiros. Três ou quatro medidas simpáticas, mas onerosas, podem inviabilizar o governo a ser instalado. O sistema presidencial permite essas coisas. O que começa a ser praticado é diferente de que se fazia; tratar-se-á de deformação ou agravamento. Talvez de ambas. Mas esta é outra estória.
*
Outro dia, em elogiosa referência à excelência da Faculdade de Direito da Avenida João Pessoa e simpática menção à minha passagem por ela, foi publicado que, dias antes, eu voltara à Faculdade “para integrar banca da monografia do neto, Marcos Brossard Iolovitch, 24 anos”. O equívoco é evidente, pois não sendo professor daquela Escola não poderia participar de um ato estritamente escolar e, especialmente, não poderia figurar como examinador de um neto e nem ele poderia ser examinado pelo avô. Realmente fui à Escola com o propósito de assistir a um exame, que é público, aliás, inexistia ao meu tempo de estudante, como assisti a de quatro formandos, um dos quais meu neto; dos quatro fui espectador. Examinadores foram os professores Luiz Carlos Buchain, Luis Felipe Spinelli e Carlos Klein Zanini, orientador. Também presente como espectador encontrava-se o professor Manoel André da Rocha, já aposentado.
*Jurista, ministro aposentado do STF
FONTE: ZERO HORA (RS)
Entrevista:O Estado inteligente
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