O ESTADO DE S. PAULO
E Gini, por onde anda? Ninguém fala dele? Por quê?
Houve época em que o sobrenome de Corrado Gini (estatístico italiano) era quase obrigatório nas páginas de Economia. Na semana passada, saiu a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) 2009, do IBGE, mas pouco se falou de Gini, apesar da boa e educativa relação Pnad/Gini. A Pnad é feita todos os anos, menos nos anos em que há Censo Demográfico. A próxima será em 2011.
Quanto a Gini, é o seguinte: em 1912, o professor Corrado criou um coeficiente que levou o seu sobrenome. Serve para medir a igualdade ou desigualdade da distribuição de qualquer coisa, inclusive da renda de um país - e varia de 0 a 1. Assim, se o coeficiente de Gini é 0,00, significa que a distribuição da coisa estudada é absolutamente perfeita, a mesma para todos os que a recebem. Se é igual a 1,00, a distribuição é absolutamente imperfeita.
Se todos os cidadãos brasileiros, de qualquer idade e sexo, ganharem uma bola de futebol cada um, o coeficiente de Gini da distribuição das bolas de futebol brasileiras será 0,00 - perfeita. Mas, se todas as bolas de futebol do Brasil ficarem nas mãos do João Havelange, ou do Ricardo Teixeira, ou do presidente Lula (que tanto gosta delas), o coeficiente de Gini da distribuição de bolas de futebol será igual a 1,00: uma distribuição absolutamente imperfeita.
O importante, aqui, é que neste período eleitoral, quando tanto se propala a melhoria de vida do povo brasileiro e de quanto os nossos candidatos a governantes pretendem melhorá-la para o futuro, o coeficiente de Gini deveria estar no centro dos discursos. Talvez não esteja porque não é muito fácil de explicar, e mais difícil ainda de entender. Para facilitar o entendimento, alguns economistas transformam o coeficiente em porcentagem: multiplicam simplesmente o coeficiente por 100, de modo que um coeficiente de Gini 0,50 se transforma num Índice de Gini de 50%.
Bem, mas, afinal, o que nos diz esse importante indicador no Brasil?
Em primeiro lugar, que é verdade que está havendo uma melhor distribuição de renda e que a renda nacional está se tornando menos concentrada. Mas é preciso evitar uma grande confusão: distribuição perfeita da renda não significa que não haja pobreza, ou que haja menos carências, ou que a mobilidade social esteja aumentando. Isso tudo tem de ser medido por outros indicadores, pois a simples medida da distribuição da renda não nos dá essas respostas. Basta lembrar que, se cada brasileiro ganhar R$ 10 por ano, e todos só ganharem isso, a distribuição da renda será perfeita, Gini estará em 0,00 ou próximo disso e, no entanto, todos nós seremos extremamente pobres. Mas a Pnad nos diz que o rendimento real médio mensal de trabalho das pessoas ocupadas era (na semana da pesquisa, em 2009) de R$ 1.111. Então, se toda a população brasileira tivesse essa mesma renda mensal, a distribuição de renda seria perfeita (Gini = 0,00). Mas não o é. A mesma pesquisa determinou um coeficiente de Gini, para essas pessoas, no mesmo período, de 0,518 (índice de 51,8%) - distribuição imperfeita, pois a maior parte dessa riqueza (o total da renda mensal das pessoas ocupadas) estava concentrada em menos da metade do universo das pessoas ocupadas.
Tomando por base o histórico da Pnad, vê-se que a distribuição da renda vem melhorando, sim. O pior ano, da série iniciada em 1981, foi o de 1989 (Gini = 0,630), quando o rendimento médio mensal então apurado era também de R$ 1.111. É que havia muito menos pessoas ocupadas ganhando isso.
A medição bolada pelo professor Corrado iniciou um mergulho com o Plano Real em 1994 (0,585), que chegaria a 0,563 em 2002. O período Lula começou com 0,554 e, no ano passado, bateu em 0,518 - descenso mais rápido porque Lula anabolizou programas de transferência de renda (Bolsa-Família), além de aumentar o salário mínimo e a assistência social via Benefício de Prestação Continuada (BPC).
Duas outras coisas melhoram no Brasil há mais de 16 anos: a linha da pobreza e a linha da indigência. O Índice de Gini não as mede, mas a Pnad mede. De 1976 a 1985/86, durante 11 anos, 40% da população tinha renda familiar per capita igual ou abaixo da linha da pobreza; e 20%, igual ou abaixo da linha da indigência. Em 1986 houve episódica melhoria (Plano Cruzado, congelamento de preços), que durou um ano. As duas linhas retornaram ao nível "normal" em 1987, onde permaneceram até 1994 (Plano Real). Daí, até 2002, redução de quase 10 pontos de porcentagem (p.p.) nas duas linhas. E de 2003 até 2007, mais 10 p.p. de queda.
O que é que se conclui?
Melhoria na distribuição de renda e diminuição da pobreza e da indigência são políticas consistentes que vêm de longe, e só puderam se manter e progredir porque a inflação foi dominada. Não saíram da cartola do mágico Lula nem da varinha de condão da fada-madrinha. Nos governos que precederam FHC e Lula, pobreza e indigência foram inextirpáveis - como são as saúvas e os demagogos - porque a inflação as realimentava.
Entrevista:O Estado inteligente
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