O ESTADO DE S. PAULO
O empenho do governo em manter, a qualquer preço, uma maioria fiel no Congresso, vez por outra suscita comentários desconfiados a respeito da razão de tanto esforço.
Haveria algum plano secreto para mudar a regra do jogo eleitoral na última hora? É o mais comum deles, mas também o que menos se sustenta, pelo menos em face das condições objetivas para tal.
Um motivo bem mais prático pode ser observado agora, quando se inicia na semana que vem uma ofensiva do Palácio do Planalto para afrouxar o rigor da fiscalização sobre obras em andamento e licitações futuras.
São duas as iniciativas. Uma, já posta na Lei de Diretrizes Orçamentárias para 2010, diz que daqui em diante o Tribunal de Contas da União não poderá mais determinar a paralisação de obras sem autorização do Congresso.
Outra faz parte da proposta de reformulação da Lei de Licitações, já com previsão de votação no Senado, e estabelece prazo de 90 dias de validade para medidas cautelares apresentadas pelo TCU.
Ambas as medidas em última análise transferem ao Congresso um trabalho que é do tribunal. Como o Congresso é hoje quase um carimbador das decisões do Executivo, a fiscalização das obras fica sob a jurisdição do fiscalizado. É um atalho que exibe perfeitamente a razão da sustentação de maiorias a qualquer preço e sob quaisquer mecanismos.
A Lei de Licitações, aprovada no calor da indignação do processo de impeachment do estão presidente Fernando Collor, há muito desperta várias críticas e reúne adeptos a que se façam modificações.
É uma providência que requer cuidado, formação de consensos, arbitragem e, principalmente, competente elaboração técnica. Mas o governo não vai por esse caminho. Prefere a trilha mais fácil da desqualificação das prerrogativas e da desconfiança sobre a independência dos ministros do TCU.
Pois bem, em geral são políticos, na sua maioria indicados por razões políticas. Se agem mal, de forma a apenas atrapalhar a vida do governo, isso poderia ser facilmente desmascarado mediante a contra-argumentação técnica e demonstração de que as exigências feitas são descabidas.
Haveria também o caminho do cumprimento rigoroso dos trâmites, caso não se conseguisse provar que são manipulados politicamente, ou até a contestação sobre os meios e modos de funcionamento dos tribunais de contas.
Mas o governo prefere o atalho por meio do qual transfere para as mãos de um Legislativo submisso a palavra final sobre a regularidade de obras públicas.
A versão dos governistas é a de que o processo terá mais transparência, pois as análises ocorrerão de forma aberta, com audiências públicas, em sessões transmitidas pela televisão.
Trata-se de um sofisma. Que até faria algum sentido se o Congresso dedicasse alguma atenção à opinião pública.
Decide - como comprovam à farta acontecimentos passados e presentes - exclusivamente referido nas necessidades e conveniências do governo. Vota como consumidor de benefícios oficiais, não como depositário da confiança de seus representados.
Carta aos brasileiros
O adiamento do pagamento da restituição do Imposto de Renda do contribuinte que pagou a mais para a Receita é quebra de contrato.
O cidadão pagou, fez a sua parte. O Estado unilateralmente decidiu reter o dinheiro para fazer frente a outras frentes - no caso, a meta fiscal - deixadas a descoberto pelo modo cigarra de governar. Bom de festa e ruim de serviço.
O argumento do ministro da Fazenda, Guido Mantega, de que o contribuinte não perde nada porque o atrasado será pago com juros, obedece aos critérios da quase-lógica.
Quem conta com o dinheiro na data combinada em geral tem compromissos a ser saldados. Sem direito a adiamento unilateral.
Ademais, se o governo arrecadou menos do que previa e mesmo assim gastou mais do que deveria, cabe a ele, que tão espetacularmente soube administrar a crise econômica, resolver seus problemas de caixa sem transferi-los para quem está em dia com o Fisco.
Na flauta
O governo de facto de Honduras fala duro e resiste demais para quem tem os Estados Unidos como inimigo. Dada a tradicional ascendência dos EUA sobre países da América Central, é de se supor que, se o presidente Barack Obama quisesse mesmo resolver a questão dentro da ótica pretendida pelo governo deposto, já teria resolvido.
Na lata
Os rapazes não têm coragem de falar o óbvio. Vem Marta Suplicy, põe o pingo no i repetindo o que se ouve por toda parte e é desqualificada, como se Ciro Gomes tivesse "tudo a ver" com São Paulo.
A reação, na verdade, não é ao conteúdo da frase, mas à exposição de uma contrariedade em relação às habilidades estratégicas de Lula.
Entrevista:O Estado inteligente
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