O GLOBO
À medida que os brotos verdes da recuperação econômica se tornam marrons, o que se pergunta é se a política de relançar a economia via estímulo fiscal maciço falhou. Submetidas a teste, as teorias keynesianas estão se mostrando erradas? Esta questão só faria sentido, entretanto, se os princípios keynesianos estivessem de fato sendo testados.
O que se precisa agora é de uma nova dose de estímulo fiscal. Na ausência dela, podemos esperar um período ainda mais longo no qual a economia operará abaixo da capacidade, com desemprego elevado.
O governo Obama parece surpreso e desapontado com o desemprego alto e crescente. Não deveria estar. Tudo isso era previsível. A medida real do sucesso da política de estímulo não é o nível atual do desemprego, mas qual seria o desemprego se não tivesse havido estímulo.
O governo Obama foi sempre claro a respeito do objetivo de criar 3 milhões de empregos adicionais com as medidas. O problema é que o choque da crise financeira sobre a economia foi tão forte que mesmo o aparentemente enorme estímulo fiscal dado por Obama não foi suficiente.
Mas há outro problema: nos EUA, apenas um quarto dos quase US$ 800 bilhões em estímulo estão previstos para serem empregados este ano, e isto está ocorrendo lentamente. Enquanto isso, os estados americanos enfrentam queda maciça de receita, com déficits que excedem os US$ 200 bilhões. A maioria deles enfrenta exigências constitucionais de equilíbrio orçamentário, o que significa que estão agora elevando impostos ou cortando gastos — algo que anula pelo menos uma parte do estímulo do governo federal.
Ao mesmo tempo, quase um terço do estímulo se traduz em corte de impostos, o que as teses keynesianas previram corretamente como relativamente ineficiente. As famílias, sobrecarregadas de dívidas, com sua poupança para a aposentadoria encolhendo e poucas perspectivas de emprego, gastaram apenas uma fração do que economizaram com redução de impostos.
Nos EUA e em outros lugares, dedicouse muita atenção à saúde do sistema bancário. Isto pode ser necessário para restabelecer um crescimento vigoroso, mas não é suficiente. Os bancos não emprestarão se a economia continuar deprimida, e as famílias relutarão em tomar financiamentos — pelo menos da forma libertina como faziam antes da crise. O todo poderoso consumidor americano foi o motor do crescimento global, mas provavelmente continuará a esbravejar mesmo depois da recuperação dos bancos. Enquanto isso, alguma forma de estímulo governamental será necessária.
Alguns se preocupam com o crescente déficit orçamentário. Mas se um novo programa de estímulo for planejado, com a maior parte dos recursos sendo gasta em ativos, a situação fiscal e o crescimento futuro podem se tornar mais fortes.
É um erro olhar-se apenas para o passivo do país, ignorando os ativos. É claro que isto é um argumento contra mal planejados programas de salvação dos bancos, conforme o que foi executado nos EUA, que custou ao contribuinte centenas de bilhões de dólares, muito dos quais nunca serão recuperados.
O déficit orçamentário aumentou, sem que o governo pudesse balanceálo com um ativo correspondente. Mas não se deve confundir bem-estar empresarial com estímulo keiynesiano.
Alguns poucos temem que esses gastos governamentais resultem em inflação. Mas o problema mais imediato é deflação, diante do elevado desemprego e da capacidade ociosa. Se a economia se recuperar mais fortemente do que antecipei, o gasto pode ser contido. Melhor ainda, se a maior parte da nova rodada de estímulos for empregada em "estabilizadores automáticos" — como compensações pela queda da receita dos estados — e se a economia de fato se recuperar, os gastos não serão necessários.
Apesar disso, há alguma preocupação de que expectativas inflacionárias em alta resultem em juros mais elevados a longo prazo, neutralizando os benefícios do programa de estímulo.
As autoridades monetárias devem ficar vigilantes e prosseguir com suas intervenções "fora do padrão" — gerenciando os juros tanto a curto quanto a longo prazo.
Todas as políticas trazem consigo riscos. Não se preparar agora para um segundo programa de estímulo apresenta o risco de a economia se enfraquecer ainda mais — e o dinheiro não estar lá quando dele se necessita.
Impulsionar uma economia leva tempo, como demonstram as dificuldades do governo de gastar o que já está alocado; o efeito completo desses esforços pode levar um semestre ou mais para ser sentido.
Uma economia mais fraca significa mais falências, mais ações de despejo e mais desemprego. Mesmo se se colocar de lado o sofrimento humano, vamos ter mais problemas no sistema financeiro.
E, como vimos, um sistema financeiro enfraquecido leva a uma economia frágil, e possivelmente à necessidade de mais dinheiro de emergência para salvá-lo de outra catástrofe. Se tentarmos poupar dinheiro agora, arriscamonos a gastar muito mais depois.
O governo Obama errou ao providenciar um estímulo pequeno demais, especialmente depois de ter assumido compromissos políticos que tornaram o programa menos eficiente do que poderia ter sido. Cometeu outro erro ao conceber um programa de resgate dos bancos que disponibilizou muito dinheiro com restrições de menos ou termos favoráveis demais àqueles que foram os culpados pelo desastre — uma política que amorteceu o apetite do contribuinte por mais gastos.
Mas isto é política. A economia é clara: o mundo precisa que todos os países industrialmente avançados se comprometam com outra grande rodada de gastos que promovam estímulo real. Este deveria ser um dos temas centrais da próxima reunião do G-20 em Pittsburgh, em setembro
JOSEPH E. STIGLITZ é economista.
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