O Estado de S. Paulo - 08/09/2009
O expressivo aumento do comércio exterior brasileiro, hoje quatro vezes maior do que em 2002, resultado do crescimento da economia global e da alta do preço dos produtos primários, não se beneficiou, no entanto, da abertura de mercados para nossos produtos, pois acabamos por não negociar acordos comerciais com terceiros países.O Brasil, nos últimos seis anos, não assinou nenhum acordo comercial de relevância. A multiplicidade de iniciativas, na quase totalidade dos casos, ficou limitada a acordos de pouca expressão econômica, em decorrência da primazia dos objetivos de política externa sobre os interesses comerciais.
No restante do mundo se deu o contrário. Desde o começo da Rodada Doha, lançada há sete anos, mais de cem acordos de livre-comércio entraram em vigor. Os dez membros da Associação de Nações do Sudeste Asiático (Asean) finalizaram entendimentos com a Índia e chegaram a acordos em separado com a Austrália e a Nova Zelândia. China e Japão mudaram de estratégia e estão assinando acordos de livre-comércio com países asiáticos e mesmo fora da região (México e Chile).
O governo brasileiro apostou fortemente no acordo multilateral de comércio. Diante do fracasso da Rodada Doha, ficaram evidenciadas a falência da estratégia seguida por nós desde 2003 e a necessidade de serem redefinidas novas prioridades de negociação externa. Reconhecidamente importante para o Brasil, o fórum da Organização Mundial do Comércio (OMC) não deve substituir as oportunidades de abertura de mercado por meio de negociações bilaterais ou regionais.
Sem perspectiva na negociação multilateral e tendo deixado em segundo plano os entendimentos para firmar acordos de livre-comércio, as autoridades responsáveis pela nossa política comercial externa têm hoje poucas alternativas.
A crise econômica global alterou profundamente o quadro externo, com fortes consequências sobre o comércio internacional. A redução em cerca de 12% das trocas comerciais, a primeira desde 1982, e o aumento do nacionalismo econômico, com novas e sofisticadas formas de protecionismo, tornam impossível ressuscitar a Rodada Doha e cada vez mais difíceis as negociações de acordos de livre-comércio.
Contrariando o discurso oficial, medidas protecionistas foram tomadas e em seguida revogadas. O Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior divulgou uma agenda internacional para 2009. O documento dá prioridade a 29 países com potencial de aumentar as exportações brasileiras nos próximos anos, mas não inclui a Europa nem os EUA, dois de nossos principais parceiros.
Nesse contexto, as prioridades declaradas do governo de negociar acordos bilaterais, como mencionado pelo ministro Celso Amorim, e de fortalecer o Mercosul dificilmente poderão ser concretizadas. Recuperar o tempo perdido nas negociações desses acordos, tentar superar as resistências de alguns setores internos não competitivos e conviver com posições divergentes de nossos parceiros no âmbito do Mercosul são desafios difíceis de superar que colocam o Brasil num beco sem saída nas negociações externas.
O Brasil perdeu, nos últimos 15 anos, a oportunidade de se beneficiar da quadra positiva de expansão do comércio internacional. Resta agora uma ação de contenção de dano junto à OMC para evitar a proliferação de medidas restritivas comerciais.
Desde que o Brasil ofereça uma generosa abertura de seu mercado em troca da maior liberalização dos mercados regionais, uma das poucas ações possíveis de nossa parte nas negociações para a abertura de mercado é a ampliação dos acordos bilaterais com os países sul-americanos no âmbito da Associação Latino-Americana de Integração (Aladi).
No tocante ao Mercosul, a relação com os demais membros do subgrupo regional deveria ser mais bem avaliada do ponto de vista brasileiro, de forma a equilibrar os objetivos de integração política e de desenvolvimento econômico. Ao setor empresarial, um dos principais beneficiários com a formação do bloco regional, interessa, obviamente, o seu fortalecimento institucional. Na ausência de entendimentos comuns quanto às prioridades e estratégias, diante das diferentes percepções dos quatro países membros no tocante à abertura externa, deveria haver uma leitura mais flexível das regras vigentes, em especial a obrigação de negociar com uma única voz, desde que acompanhada de compromissos para a convergência futura. Tais situações excepcionais contribuiriam para garantir uma agilidade maior ao Mercosul para firmar acordos comerciais com terceiros, como a União Europeia (UE). Aparentemente mudando de posição, o Itamaraty passou a defender essa flexibilização. A Chancelaria, pela palavra de Amorim, admite agora "poder o Brasil aceitar a possibilidade de a UE fechar acordos diferenciados com cada membro do Mercosul".
Nesse contexto de incertezas, seria importante que o governo brasileiro também começasse a examinar, sob uma nova ótica, certos temas que estão sendo gradualmente incluídos nos acordos de livre-comércio. Será muito difícil, no futuro, negociar qualquer acordo comercial sem, pelo menos, aceitar discutir a questão de investimentos, serviços, propriedade intelectual, concorrência, compras governamentais, cláusulas ambientais e trabalhistas. Em todas elas a preocupação deve ser impedir que eventuais exigências acordadas mascarem interesses protecionistas em produtos de exportação do Brasil. Há espaço de negociação e os limites do País devem ser reavaliados.
Como candidamente reconheceu (com certo atraso) o presidente Lula, "não temos estratégia para nossa inserção no mundo e é o que estamos pensando agora". Bem-vindas as correções de rumo.
Antes tarde do que nunca.