Como sabemos, existem muitas frases comumente repetidas a cujo uso nos acostumamos tanto que nem observamos nelas patentes absurdos ou disparates. Das mais escutadas nos noticiários, nos últimos dias, têm sido “não há razão para pânico” e “não há motivo para pânico”, ambas aludindo à famosa gripe suína de que tanto se fala. Todo mundo as ouve e creio que a maioria concorda sem pensar e sem notar que se trata de assertivas tão asnáticas quanto, por exemplo, a antiga exigência de que o postulante a certos benefícios públicos estivesse “vivo e sadio”, como se um defunto pudesse estar sadio. Ou a que apareceu num comercial da Petrobras em homenagem aos seus trabalhadores, que não sei se ainda está sendo veiculado.
Nele, os trabalhadores “encaram de frente” grandes desafios, como se alguém pudesse encarar alguma coisa senão de frente mesmo, a não ser que o cruel destino lhe haja posto a cara no traseiro.
Em rigor, as frases não se equivalem e é necessário examiná-las separadamente, se se desejar enxergar as inanidades que formulam.
No primeiro caso, pois o pânico é uma reação irracional, comete-se uma contradição em termos mais que óbvia. Ninguém pode ter ou deixar de ter razão para pânico, porque não é possível haver razão em algo que por definição requer ausência de razão. Então, ao repetir solenemente que não há razão para pânico, os noticiários e notas de esclarecimento (e nós também) estão dizendo uma novidade semelhante a “água é um líquido” ou “a comida vai para o estômago”. Se as palavras pudessem protestar, certamente Pânico escreveria para as redações, perguntando ofendidíssimo desde quando ele precisa de razão. Nunca há uma razão para o pânico.
A segunda frase nega uma verdade evidente. É também mais do que claro que não existe pânico sem motivo, ou seja, o freguês entra em pânico porque algo o motivou, independentemente de sua vontade, a entrar na desagradabilíssima sensação de pânico.
Ninguém, que eu saiba, olha assim para a mulher e diz “mulher, acho que vou entrar em pânico hoje à tarde” e, quando a mulher pergunta por quê, diz que é para quebrar a monotonia.
Todo pânico requer um motivo, defensável ou não, reprovável ou não. Portanto, ao repetir solenemente que não há um motivo para pânico, estamos dizendo uma besteira equivalente a “as bactérias se originam do ar” ou “o carro deu partida sozinho e atropelou um transeunte”.
Até a própria frase podia ser motivo para pânico. E, se as palavras pudessem protestar, Motivo escreveria às redações, perguntando ressentidíssimo desde quando ele precisa de razão e por que pegam no pé dele e não pegam no pé de Justificativa, por exemplo. Sempre há um motivo para o pânico. Diríamos melhor, por conseguinte, se disséssemos que não há razão para alarme e atos precipitados ou que o pânico é no mínimo inútil e geralmente perigoso.
Mas é assim que se fala e acabouse.
E tenho certeza que, da mesma forma que muitos de vocês, acho bem maior besteira manter qualquer preocupação, quanto mais entrar em pânico, por causa dessa gripe, a não ser quanto a cuidados elementares de higiene, como lavar as mãos de vez em quando. Não encampo nem mesmo a cuidadosa orientação do governador José Serra, que recomendou, para que evitemos nos contagiar, não deixarmos que nenhum porquinho espirre na nossa cara. Sei que isso é comum e não é um hábito saudável, mas ocorre que li nos jornais que não se registrou ainda nenhuma ocorrência de porco contaminado por essa gripe. Parece que ele apenas vem sendo usado como — perdão — porco expiatório.
Sim, corro o risco de ser acusado de inimigo da saúde pública, mas pensem se, para a maior parte de nós, não é perda de tempo acrescentar mais essa preocupação e esse medo a nosso já bem fornido cotidiano.
Em primeiro lugar, nem essa gripe nem qualquer outra têm cura e continua a valer o velho aforismo segundo o qual a gripe é uma doença que, se você for ao médico, se cura em uma semana e, se você não for ao médico, se cura em sete dias. Os remédios antivirais que andam badalando (e principalmente vendendo — esse tal de mercado é danado mesmo) não curam gripe nenhuma e as vacinas existentes não servem para a suína. E por aí o negócio vai, terminando por impor-se a conclusão de que, mesmo que se queira, não se pode fazer nada, a não ser rezar.
E há um amplo aqui-entre-nós, a considerar. Aqui entre nós, diante dessa conclusão inescapável, não dá para o sujeito se sentir meio palhaço, se azafamando em cautelas inúteis contra uma gripe, quando é muito menos improvável que seja vítima de assalto, bala perdida, atropelamento, desabamento, fila do SUS e assombrações diversas a que estamos sujeitos, em meio à nossa vasta insegurança pública? E, se essa gripe vier, ao contrário do que têm dito especialistas, a revelar-se de fato devastadora, a proteção impecável que o governo vem se gabando de nos dar realmente funcionará? Por que não funcionou e não funciona contra a dengue, que continua matando a torto e a direito e pode atingir qualquer um, a qualquer momento? Por que não funciona em tantas outras áreas? Em suma, nada de preocupação, porque não há nada que possamos fazer. Não precisamos nem observar cautelas extremas, como deixar de ir ao cinema para evitar locais fechados, na companhia de muita gente.
Não abramos a guarda, até porque, se um congressista da ala do lixo descobrir, vai apresentar projeto concedendo a cada parlamentar um adicional de periculosidade que compense a perda das passagens. Motivo para pânico, sem dúvida.
Entrevista:O Estado inteligente
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