O GLOBO
O estado das artes da crise econômica internacional agora é: o pânico, o mais assustador dos episódios recentes, foi vencido. Os bancos americanos receberam de ajuda direta mais do que valem hoje no mercado, apesar da recuperação do valor das ações. Na prática, são estatais. A GM será oficialmente estatizada nos próximos dias. No Brasil, de novo, os capitais desembarcam loucos por rentabilidade.
No final de abril, pouco mais de seis meses da quebra do Lehman Brothers, num debate em Nova York, o senador americano Bill Bradley disse que não acreditava que se pudesse falar em recuperação. Ele usou números: a ação do Citibank, que valia US$60, tinha caído para US$1, e, naquele 30 de abril, estava valendo US$3. "Eu não chamo isso de recuperação", disse ele.
Naquela época, o Citi poderia ser comprado por US$17 bilhões, e isso era menos de um terço do que o governo americano havia colocado no banco em ajuda direta. Sem falar das outras formas de ajuda, como a garantia dada ao banco, que soma US$340 bilhões. A situação melhorou mais um pouco em maio. Na última sexta-feira, a ação do Citi valia US$3,65, e o valor de mercado era US$20 bi, um terço do que deu o governo. O fato é que até agora, com todas as ferramentas inventadas pelo governo Obama para sanear os bancos, dando a impressão de estar usando de maneira diferente o dinheiro do contribuinte, ainda não foi possível separar a parte boa da parte ruim de cada instituição.
O historiador Niall Ferguson disse que o mundo está agora na fase da "terapia", depois de superada a fase do colapso nervoso que se seguiu à quebra do Lehman. Só que os remédios usados são contraditórios, porque os governos estão usando a expansão monetária que seria indicada por Milton Friedman junto com a expansão fiscal que seria receitada por John Maynard Keynes. - Não se pode ser monetarista e keynesiano ao mesmo tempo - disse Ferguson.
Nouriel Roubini discorda. Acha que sim, podem ser usadas todas essas armas e foi exatamente esse uso simultâneo de ferramentas monetária e fiscal, por tantos governos, que reduziu o risco de uma depressão como a que houve em 1929. Mesmo parecendo, por essa frase, que o famoso pessimista está mudando de lado, Roubini disse que está menos certo que seus colegas de que a economia americana vai se recuperar ainda este ano. Ele acha que, no máximo, a economia vai melhorar de -6%, que é o ritmo do primeiro trimestre de 2009, para -2%, que seria o ritmo do último trimestre do ano. Muitos economistas ainda acham que será de 2%, no positivo, portanto, o ritmo de crescimento do fim do ano. Apesar de apoiar o relaxamento monetário americano neste momento, Roubini prevê que US$9 trilhões serão acrescidos à dívida americana por causa da crise.
Paul Krugman assinalou que está havendo uma mudança histórica de comportamento das famílias americanas depois de perderem, segundo cálculos dele, US$13 trilhões em riqueza líquida. Agora, os americanos estão poupando. A taxa de poupança americana, que tradicionalmente é zero, está em 4%. E não é a China que está comprando a nova coleção de títulos do Tesouro americano lançados recentemente, mas sim as famílias americanas. O problema: essa poupança não está se transformando em investimentos porque o empresário americano não tem estímulo para investir diante da queda tão pronunciada do consumo.
George Soros acha que o mercado financeiro acabou, pelo menos como ele é conhecido atualmente.
- Ele entrou em colapso e agora está sendo mantido vivo por aparelhos - disse o antigo especulador.
Ele acredita que o impacto da crise bateu fortemente no setor real, que caiu em queda livre e de forma global.
O tamanho da dívida americano que virá como ressaca da crise começa a preocupar os economistas, os mesmos que apoiaram o aumento da expansão fiscal e monetária para evitar o pior, ou seja, a depressão. Krugman diz que no passado, após a Segunda Guerra, por exemplo, a dívida americana chegou a 100% do PIB e foi facilmente possível financiá-la. Mas ele não tem certeza de que agora será tão fácil. A crise provocará no futuro outros desequilíbrios. O que se aprende na leitura dos debates, como este, é que todas as lições sobre como evitar 1929 foram aplicadas. Naquela época, eles deixaram os bancos quebrar, 75% dos donos de imóveis deram calote em suas hipotecas, o Fed apertou a política monetária e isso levou à depressão. Mas agora, todos estão em terreno desconhecido. Evitaram o pior, mas como lidar com as consequências das decisões tomadas e toda a ressaca da crise?
Nas economias do mundo inteiro este está sendo um ano difícil, mesmo quando começam a bater nas praias as espumas de uma extraordinária recuperação das bolsas, como os 80% que o Ibovespa subiu em sete meses, desde o pior momento da crise. A Bovespa que sobe assim está no mesmo país onde a Fiesp avisa que a produção industrial no ano pode ficar em -5%. Há quem estime queda maior.
Um dos sinais vem agora na segunda-feira, quando saírem os dados da produção industrial de abril. A Tendências Consultoria prevê alta mensal de 1,3%, o que levará a uma queda anual de 14,8%. Por muito tempo, o mundo ainda fará a contabilidade das perdas e danos desta crise.
Entrevista:O Estado inteligente
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