O GLOBO
Quais seriam as vantagens comparativas do Brasil dentro dos Brics (Brasil, Rússia, Índia e China), grupo de países apontados pela Goldman Sachs como futuros líderes internacionais? O jornalista Paulo Sotero, diretor do Brazil Institute, do Woodrow Wilson International Center for Scholars, de Washington, diz que a principal vantagem talvez seja que, em contraste com a China, a Índia e a Rússia, a ascensão internacional do Brasil não representa ameaça a ninguém. “Nesse sentido, a ampliação do espaço internacional do Brasil não tem sido um alimentador de tensão. Pelo contrário, as ações internacionais brasileiras, mesmo com derrapagens, têm tido o efeito oposto e afirmado o papel estabilizador do país na América do Sul e no Caribe, como atesta a experiência recente no Haiti”.
Mantidas as tendências atuais, Paulo Sotero acha que aumentarão as assimetrias entre o Brasil e seus vizinhos “e isso poderá se tornar fontes de problemas futuros”. Ao mesmo tempo, ressalva, devese ter em conta que “um Brasil democrático, estável e próspero é benéfico à região e à comunidade internacional”.
O sociólogo e cientista político Amaury de Souza, da MCM Consultores, acha que talvez fosse melhor indicar primeiro “nossas desvantagens relativas face aos demais países emergentes, destacando-se a ínfima participação no comércio mundial e taxas medíocres de crescimento econômico”.
Onde corremos parelhos com os outros Brics, na sua análise, “é na posse de grandes territórios e populações, o que nos assegura amplos mercados domésticos”.
Conta a favor do Brasil, também, o fato de sermos, na opinião de Souza, “o país mais ocidental e mais moderno social e culturalmente dentre os emergentes. E o bom relacionamento com os vizinhos, no que o Brasil contrasta vivamente com os demais Brics, cercados de ameaças em suas respectivas regiões”.
O sociólogo e cientista político Candido Mendes ressalta a característica dos Brics de não terem nascido de uma política comum, “mas sim de escaparem às lógicas da globalização tal como entrevista ainda antes da crise com o modelo econômico capitalista”.
Candido Mendes vê todos “países relativamente independentes da dimensão externa de suas economias. São todas extensões continentais constitutivamente orientadas para seus mercados internos, ainda que dentro de políticas distintas de acesso social: as áreas da saúde, educação e habitação”.
Para Candido Mendes, “a consciência deste novo protagonismo internacional nos dissocia, de vez, da América Latina. Tal como, inclusive, vem de reconhecer o governo americano”.
Para ele, nossa principal vantagem comparativa com os demais emergentes “vem da absoluta comparação democrática do nosso desenvolvimento, tal como hoje o governo Lula desfruta de uma admiração universal. Somase o jogo de contrapesos entre os três Poderes ao respeito aos direitos humanos e, sobretudo, ao estado de direito e obediência às suas regras do jogo fora das tentações intervencionistas, por exemplo, da maior parte da América Latina”.
Neste aspecto, e entre os Brics, ressalta Candido Mendes, “o destaque democrático só repartimos informalmente com a Índia. Mas há que atentar ao quanto esta última, por sobre o formalismo democrático, mantém objetivamente o sistema dos párias e o multissecular regime de falta de reconhecimento coletivo”.
Mesmo que os Brics não constituam um grupo entre si, Candido Mendes acha que eles podem, em conjunto, se contrapor a uma globalização hegemônica. Sobretudo, ressalta, “em termos do controle total desse processo de que a China não se demite e o Brasil apresenta a pauta mais rica de autointuição da mudança”.
O sociólogo Simon Schwartzman, do Instituto de Estudos do Trabalho e Sociedade (Iets) tem uma visão crítica do governo Lula, que “com declarações desastradas como a dos ‘brancos de olhos azuis’ e a insistência em ensinar aos governos americano e europeus o que fazer, se torna cada vez mais uma figura folclórica”.
Por isso, Schwartzman acha que a importância que o Brasil possa ter no cenário internacional “tem menos a ver com as articulações políticas e as viagens do presidente, do que com os fatos do tamanho da economia brasileira e a sua estabilidade, bastante distinta, no agregado, do voluntarismo e aventureirismo de muitos dos governos de nossos países vizinhos”.
Para ele, além da importância econômica, o Brasil pode fazer muito “participando de forma séria e responsável em diferentes instituições e iniciativas internacionais, e fortalecendo os programas e atividades de intercâmbio e cooperação com outros países”.
Ele vê bons exemplos, “entre os quais a atuação dos militares no Haiti”, mas considera que “o Brasil tem muito ainda a melhorar para que sua presença e prestígio internacional possam corresponder às dimensões de sua economia”.
O economista Paulo Vieira da Cunha, ex-diretor do Banco Central, acha que um dos problemas do Brasil é que a América Latina ainda é vista como “o quintal dos Estados Unidos”.
Na sua análise, “a China é uma potência em sua área; a Índia continua sua guerra disfarçada com o Paquistão, e a região é tão problemática que sua presença estratégica é reconhecidamente fundamental para todos; a Rússia ainda joga seu jogo de ‘potência atômica’, mas, dos Brics, é claramente, o mais decadente”.
O Brasil é estrategicamente importante por suas relações com Venezuela, Bolívia, Equador e agora Paraguai, o que sem dúvida, é importante para o Departamento de Estado dos Estados Unidos, mas não vai muito além disso, analisa Paulo Vieira da Cunha, para quem “o Mercosul faliu”.
Entrevista:O Estado inteligente
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