Entrevista:O Estado inteligente

sábado, maio 23, 2009

MILLÔR

A emocionante disputa
palavra X imagem

Uma frase já antiga: "Uma imagem vale mil palavras".

Aos poucos a frase foi se tornando conhecida, quase popular. Muitos dizem até que a frase tem origem chinesa.

O que lhe acrescenta sabedoria.

Como se a China não tivesse idiotas.

Muitos, aliás. Mais do que qualquer outro país.

Fiz as contas. Do bilhão e meio da população, um bilhão, quatrocentos e oitenta e nove cidadãos fazem o que o patrão mandar – seja ele de esquerda, de direita, monárquico ou evangélico. A única liberdade da qual a chinesada não abre mão é a do deinde filosofare: ficar de papo pro ar, num convento, nu com vento, casa e roupa lavada garantidas, baianando e criando frases sem sentido. A serem impressas no Ocidente em folhinhas publicitárias pra fundo de garagem e pra dar seriedade aos mulherões desnudos das revistas de sacanagem.

Pois é: "Uma imagem vale mil palavras". Verdade evidente. Corrijo logo – apenas aparente. Pois como você diria isso sem palavras? Ah.

Mas estava eu em Portugal, a defender essa tese (sei bem, eu não defendia nada, apenas falava, coisa que faço o tempo todo, e a minha negação da frase não é nenhuma tese) numa conferência internacional de imprensa, quando um dos jornalistas que me ouviam obtemperou (ita nóis, hein, mãe?): "Pode ser, mas que palavras você usaria para descrever a cena espantosa das pessoas se atirando do terrível incêndio do Edifício Joelma, em São Paulo?".

Tive que concordar: "Ganhou!".

Tive que discordar: "Mas não leva!".

Claro que, em princípio, as palavras perdem em poder pra imagens na descrição de um sinistro, um belo-horrível.

Mas digamos que estou lá, petrificado, vendo as imagens das pessoas se atirando em meio às chamas, quando o repórter me esclarece, em palavras, que o incêndio não é em São Paulo, mas na Indonésia. Imediatamente isso diminui a força da imagem, da tragédia, em meu sistema nervoso.

E, ao contrário, se o narrador dissesse que o incêndio era no Rio de Janeiro, aumentaria logo a força da tragédia em meu peito varonil.

Tragédia essa que aumentaria ainda mais minha emoção e me obrigaria logo a alguma espécie de ação, pelo menos telefonemas, se, em palavras, o repórter dissesse que o incêndio era na Praça General Osório, aqui bem perto.


O pato vinha cantando alegremente.
Quando palavras tinham ideias

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