O GLOBO
Quando Álvaro Uribe acabou de falar no World Economic Forum, no Rio, um economista do mercado financeiro, encantado, comentou comigo: "Ele só tem um problema: não tem sucessor.
Precisa continuar!" Isso me lembrou que o governo faz das manobras de Hugo Chávez para se eternizar no poder como sendo "democráticas". A direita e a esquerda abonam os seus.
Na Colômbia, o caminho iniciado pelo Congresso para rasgar a Constituição e cometer a violência institucional de um terceiro mandato é o plebiscito. Supostamente democrático, os referendos não passam, às vezes, de manipulação, em que governos autoritários criam regras que os favorecem, e abusam da máquina para cavar o resultado.
Chávez tem um agravante: não aceita "não" como resposta. Perdeu o plebiscito de 2007 e tem posto em vigor, na marra, tudo o que foi rejeitado pelo eleitorado.
O comentário pró-continuísmo do economista no Forum me fez lembrar também de uma ácida discussão que tive com um jornalista na época de Fujimori. Ele defendeu a ideia de que Fujimori era insubstituível, e justificava suas afrontas à lei pelos supostos êxitos na luta contra a corrupção e o terrorismo. A direita e a esquerda só não gostam do continuísmo dos adversários.
Aprovam o dos seus.
Quando entrevistei Uribe, me lembrei da entrevista que tinha feito com Chávez. Eles têm estilos diferentes. Uribe, um tecnocrata sem carisma que sustenta seu discurso em cifras e fala curta. Chávez, um falastrão gongórico, cheio de frases de efeito e exageros para capturar manchetes.
Mas os dois são homens tensos e que reagem a perguntas duras como se o jornalista pertencesse a hostes inimigas. Uribe encerrou a entrevista antes do tempo combinado; Chávez me chamou de loca. Com os dois, usei a mesma técnica, corriqueira, de construir perguntas da perspectiva oposta a do entrevistado. Eles levaram para o lado pessoal.
A ideia sustentada por defensores de Uribe e Chávez é a de que eles se justificam pelos resultados.
Chávez, supostamente combatendo a pobreza e a desigualdade. Uribe, pelas vitórias sobre os terroristas das Farc e a redução da violência. O fato de Chávez estar afrontando, em bases diárias, a ordem democrática não impressiona os chavistas, da mesma forma que os defensores de Uribe não se preocupam com suas nebulosas relações com os paramilitares.
Justificar os excessos a partir dos resultados é um clássico do pensamento autoritário de qualquer vertente.
É o que acaba de fazer o ex-vice-presidente americano Dick Cheney, no debate virtual com o presidente Barack Obama. Cheney defende os "métodos rigorosos" de interrogatório por causa de seus supostos resultados de redução da vulnerabilidade americana ao terrorismo; Obama nega que a "tortura"— ele usa o nome certo da coisa — tornará os Estados Unidos mais seguros.
Cheney defende a excrescência de haver uma prisão extra-territorial na qual as leis americanas não são respeitadas; Obama acha que a prisão de Guantánamo é um atentado aos mais caros valores e princípios que constituíram o país. No debate dos dois se vê como o pensamento genuinamente democrático é mais claro, direto, simples.
Se uma política é boa e tem apoio da população, ela será mantida pelo sucessor eleito democraticamente, mesmo que ele venha de outro campo político. Foi assim com a estabilidade monetária no Brasil. Será assim com as políticas públicas que derrubaram as taxas de homicídio na Colômbia a um nível que é hoje um sexto das taxas na Venezuela. Será assim com o atendimento das populações dos barrios de Caracas.
A América Latina tem frequentado perigosamente o desrespeito à lei por governos que acham que têm uma missão a executar e que precisam atingir seus objetivos na lei ou na marra. Evo Morales, na Bolívia, tem a meta de reduzir a pobreza e aumentar o poder da maioria indígena. Tem falhado na primeira porque perde oportunidades e espanta investidores pelos excessos ideológicos. Rafael Correa, no Equador, quer reduzir o poder da velha oligarquia política, mas só consegue ser um avatar de Chávez.
Chávez é o exemplo mais perfeito desse movimento de usar uma causa nobre para justificar crimes e ainda afastarse da realização desse objetivo.
A prática "Bolivariana" tem sido encurralar os adversários, tomar de assalto as instituições, sufocar a imprensa, aumentar os tentáculos do estado desapropriando setores econômicos.
Seus resultados na redução da pobreza são pífios, mesmo na época da exuberância das contas públicas no boom do preço do petróleo.
Para uma região que teve apenas hiatos democráticos entre surtos autoritários, a América Latina está aceitando riscos demais. Hoje, ela se descola do mundo desenvolvido na política, e não na economia. Estão sendo tolerados governantes que chegam ao poder pelo voto, mas, lá instalados, conspiram, com o poder do Estado, contra a ordem institucional. Nas democracias, o segundo mandato é um princípio consagrado; o terceiro, uma aberração.
Chávez desprezou esse princípio, Uribe o ameaça.
Ainda bem que o Brasil sabe exatamente onde é a fronteira entre ordem democrática e autoritarismo continuísta.
Quando Álvaro Uribe acabou de falar no World Economic Forum, no Rio, um economista do mercado financeiro, encantado, comentou comigo: "Ele só tem um problema: não tem sucessor.
Precisa continuar!" Isso me lembrou que o governo faz das manobras de Hugo Chávez para se eternizar no poder como sendo "democráticas". A direita e a esquerda abonam os seus.
Na Colômbia, o caminho iniciado pelo Congresso para rasgar a Constituição e cometer a violência institucional de um terceiro mandato é o plebiscito. Supostamente democrático, os referendos não passam, às vezes, de manipulação, em que governos autoritários criam regras que os favorecem, e abusam da máquina para cavar o resultado.
Chávez tem um agravante: não aceita "não" como resposta. Perdeu o plebiscito de 2007 e tem posto em vigor, na marra, tudo o que foi rejeitado pelo eleitorado.
O comentário pró-continuísmo do economista no Forum me fez lembrar também de uma ácida discussão que tive com um jornalista na época de Fujimori. Ele defendeu a ideia de que Fujimori era insubstituível, e justificava suas afrontas à lei pelos supostos êxitos na luta contra a corrupção e o terrorismo. A direita e a esquerda só não gostam do continuísmo dos adversários.
Aprovam o dos seus.
Quando entrevistei Uribe, me lembrei da entrevista que tinha feito com Chávez. Eles têm estilos diferentes. Uribe, um tecnocrata sem carisma que sustenta seu discurso em cifras e fala curta. Chávez, um falastrão gongórico, cheio de frases de efeito e exageros para capturar manchetes.
Mas os dois são homens tensos e que reagem a perguntas duras como se o jornalista pertencesse a hostes inimigas. Uribe encerrou a entrevista antes do tempo combinado; Chávez me chamou de loca. Com os dois, usei a mesma técnica, corriqueira, de construir perguntas da perspectiva oposta a do entrevistado. Eles levaram para o lado pessoal.
A ideia sustentada por defensores de Uribe e Chávez é a de que eles se justificam pelos resultados.
Chávez, supostamente combatendo a pobreza e a desigualdade. Uribe, pelas vitórias sobre os terroristas das Farc e a redução da violência. O fato de Chávez estar afrontando, em bases diárias, a ordem democrática não impressiona os chavistas, da mesma forma que os defensores de Uribe não se preocupam com suas nebulosas relações com os paramilitares.
Justificar os excessos a partir dos resultados é um clássico do pensamento autoritário de qualquer vertente.
É o que acaba de fazer o ex-vice-presidente americano Dick Cheney, no debate virtual com o presidente Barack Obama. Cheney defende os "métodos rigorosos" de interrogatório por causa de seus supostos resultados de redução da vulnerabilidade americana ao terrorismo; Obama nega que a "tortura"— ele usa o nome certo da coisa — tornará os Estados Unidos mais seguros.
Cheney defende a excrescência de haver uma prisão extra-territorial na qual as leis americanas não são respeitadas; Obama acha que a prisão de Guantánamo é um atentado aos mais caros valores e princípios que constituíram o país. No debate dos dois se vê como o pensamento genuinamente democrático é mais claro, direto, simples.
Se uma política é boa e tem apoio da população, ela será mantida pelo sucessor eleito democraticamente, mesmo que ele venha de outro campo político. Foi assim com a estabilidade monetária no Brasil. Será assim com as políticas públicas que derrubaram as taxas de homicídio na Colômbia a um nível que é hoje um sexto das taxas na Venezuela. Será assim com o atendimento das populações dos barrios de Caracas.
A América Latina tem frequentado perigosamente o desrespeito à lei por governos que acham que têm uma missão a executar e que precisam atingir seus objetivos na lei ou na marra. Evo Morales, na Bolívia, tem a meta de reduzir a pobreza e aumentar o poder da maioria indígena. Tem falhado na primeira porque perde oportunidades e espanta investidores pelos excessos ideológicos. Rafael Correa, no Equador, quer reduzir o poder da velha oligarquia política, mas só consegue ser um avatar de Chávez.
Chávez é o exemplo mais perfeito desse movimento de usar uma causa nobre para justificar crimes e ainda afastarse da realização desse objetivo.
A prática "Bolivariana" tem sido encurralar os adversários, tomar de assalto as instituições, sufocar a imprensa, aumentar os tentáculos do estado desapropriando setores econômicos.
Seus resultados na redução da pobreza são pífios, mesmo na época da exuberância das contas públicas no boom do preço do petróleo.
Para uma região que teve apenas hiatos democráticos entre surtos autoritários, a América Latina está aceitando riscos demais. Hoje, ela se descola do mundo desenvolvido na política, e não na economia. Estão sendo tolerados governantes que chegam ao poder pelo voto, mas, lá instalados, conspiram, com o poder do Estado, contra a ordem institucional. Nas democracias, o segundo mandato é um princípio consagrado; o terceiro, uma aberração.
Chávez desprezou esse princípio, Uribe o ameaça.
Ainda bem que o Brasil sabe exatamente onde é a fronteira entre ordem democrática e autoritarismo continuísta.