Entrevista:O Estado inteligente

sábado, maio 23, 2009

J.R. Guzzo Tempo de murici


"A enfermidade de Dilma Rousseff não tem
sido um bom momento para os índices de
decência da vida política brasileira"

Está de volta ao ar a pior ideia que o mundo político brasileiro foi capaz de produzir nos últimos anos – um terceiro mandato para o presidente Luiz Inácio Lula da Silva. É o tipo de manobra que tem todos os vícios necessários para fazer grande sucesso entre os que desfrutam, de um jeito ou de outro, cotas de participação no atual governo, e, por isso mesmo, há tanta resistência em abandoná-la; parecia morta, mas acaba de ganhar uma nova encarnação. O motivo para recomeçar essa conversa, por trás do palavrório todo que circula por aí, é muito claro: o estado de saúde da ministra Dilma Rousseff, que o presidente da República vem tentando firmar como candidata à sua sucessão. Os pregadores do terceiro mandato, que pareciam conformados em ir com ela para a campanha eleitoral de 2010, não esperaram muito para voltar correndo ao seu Plano A. Viram na doença da ministra, como se diz, uma "janela de oportunidade". Se a candidatura, acham eles nos seus cálculos, deixa de ser uma certeza, vamos trocar depressa de baralho e tentar, outra vez, mudar as regras no meio do jogo para permitir que Lula seja candidato – o atalho que acreditam ser o mais recomendado para segurar-se nos seus cargos, vantagens e outras coisas boas por mais quatro anos, ou sabe-se lá quantos. Em sua primeira versão, essa história era um monumento à velhacaria. Em sua versão atual passou a ser, também, um monumento à lei do cão – os feridos que se arranjem. A figura-modelo dos que entraram nessa viagem bem poderia ser o coronel Tamarindo, no momento em que abandonou sua tropa na Guerra de Canudos, salvou a própria pele e entrou para a história com a frase que não se esquece: "É tempo de murici, cada um cuide de si".

Em relação às condições de saúde da ministra Dilma, há duas certezas. A primeira é que sua enfermidade tem as mais altas chances de cura que a medicina pode oferecer hoje – não menos que 90%. A segunda é que ela está recebendo o melhor tratamento disponível para uma paciente na sua situação. Além disso, não se pode dizer rigorosamente mais nada, pois não há mais nada que possa ser dito. É muito pouco, para os políticos do condomínio governamental. Só a ministra sabe, ou ficará sabendo, o que pode ou não pode fazer; no momento, não dispõe de fatos concretos para fornecer mais informações além das que já tem fornecido. Os seus médicos também não podem ajudar o PT e a base aliada a fazer contas eleitorais. Têm como objetivo único curar a sua cliente, e é só nisso que continuarão trabalhando; não faz parte dos seus deveres, nem das suas preocupações, "viabilizar" a candidatura de ninguém. Mas os que querem mudar a Constituição estão pensando em si, e estão com pressa. É tempo de cada um cuidar dos próprios interesses, e não de ficar aguardando definições que dependem da ministra, de sua equipe médica ou da eficácia de agentes químicos.

A enfermidade de Dilma Rousseff não tem sido um bom momento para os índices de decência da vida política brasileira. No começo, o público teve de ouvir, inclusive pela voz de altas autoridades, uma extraordinária discussão sobre as vantagens comparativas da nova situação, que poderia, entre outras atrações, tornar "mais humana" a candidatura da ministra – como se fosse possível achar alguma coisa positiva num câncer linfático. No momento, o mesmo público é apresentado a uma lista por escrito dos que resolveram apostar na desgraça; são acompanhados, na sombra, pelos que ficam em silêncio, esperando para ver de que lado será mais conveniente se colocar. É óbvio que os defensores de mais um mandato para Lula dizem que não se trata disso. É óbvio, ao mesmo tempo, que é exatamente disso que se trata.

Desde que essa confusão começou a ser armada, tornou-se evidente que a única pessoa neste país que poderia realmente acabar com ela era o próprio presidente da República. Continua sendo. Lula, ao longo desse tempo todo, já disse uma porção de vezes que não quer ficar. Falou que ninguém é indispensável, nem mesmo ele, e que a Presidência não pode ser ocupada a vida inteira pela mesma pessoa. Lançou uma candidata à sua sucessão e tem trabalhado duro por ela. Chegou, até mesmo, a informar que não vê a hora de deixar Brasília para fazer de novo um bom coelhinho assado em São Bernardo. Os aliados que querem sua candidatura em 2010 estão cansados de saber disso tudo, mas continuam insistindo. É bom prestar atenção no que fazem, pois não há novatos entre eles – e, como ensina o barão de Itararé, cachorro velho não late à toa.

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