Entrevista:O Estado inteligente

sábado, maio 30, 2009

Baixaria no meio literário

da Veja

BARRACO SEM POESIA

A disputa por uma cátedra em Oxford foi abalada por
um escândalo de difamação contra um ganhador do Nobel. 
Sempre houve baixarias assim entre escritores – mas elas
já tiveram mais graça

Fotos Justin Willians/Rex Features/Micheline Pelletier/Latinstock
CONCORRÊNCIA DESLEAL Derek Walcott e Ruth Padel: ela jura que não produziu o dossiê contra ele. Só mandou uns e-mails indiscretos

A cátedra de poesia da Universidade de Oxford, existente há 300 anos, confere um brilho inigualável a um currículo acadêmico e exige relativamente pouco: o titular só tem de proferir três conferências por ano. A escolha desse privilegiado professor é feita por um colégio eleitoral, formado pelo corpo docente de Oxford e por ex-alunos da universidade. Neste ano, o favorito era o caribenho Derek Walcott. Autor do épico Omeros e Nobel de Literatura de 1992, ele era o único candidato que poderia acrescentar reputação ao posto – seus dois concorrentes, a inglesa Ruth Padel e o indiano Arvind Mehrotra, nomes de fama limitada, só iriam, ao contrário, auferir o prestígio do cargo. Menos de uma semana antes da eleição, Walcott retirou-se do páreo, atingido por uma campanha de difamação. Um dossiê com casos de assédio sexual supostamente cometidos pelo poeta quando deu aula em Harvard, três décadas atrás, foi enviado anonimamente para professores de Oxford. Com a desistência de Walcott, Ruth Padel – autora de uma biografia em verso do naturalista Charles Darwin, que é seu antepassado – foi eleita para a cátedra, no dia 18 de maio. E renunciou na semana passada, depois de nove dias no cargo, quando surgiram indícios de que ela havia participado da campanha contra Walcott (ela nega qualquer relação com o dossiê, mas admite ter mandado e-mails para jornalistas detalhando os tais casos de assédio).

Na Inglaterra, o affair Walcott-Padel virou um exemplo deprimente de quão pequena se torna a vida intelectual sitiada por patrulheiros da correção moral, sexual e política. Walcott reunia as devidas credenciais para ensinar poesia – mas, entre as fofocas e especulações da eleição em Oxford, mérito poético foi o único assunto que deixou de ser discutido seriamente. O jornal Daily Telegraph demonstrou que, por critérios morais, cátedras de poesia inglesa dificilmente seriam preenchidas. Grandes poetas era possível encontrar em várias épocas. Difícil era achar poetas puros: Byron era mulherengo; Coleridge, drogado; o beberrão Dylan Thomas chegou a defecar no chão de um amigo; Philip Larkin era racista e adorava pornografia; e Auden, que ocupou a cátedra em Oxford, não estava nem aí para a higiene pessoal.

Para quem acompanha a querela em Oxford a distância, só resta lamentar que o barraco tenha se dado com tão pouca graça. Poetas de todas as eras exercitaram o virtuosismo verbal na difamação dos rivais. Quevedo e Góngora, na Espanha, lá pela virada do século XVI para o XVII atacavam-se mutuamente em versos impecáveis (veja o quadro). O tal dossiê sobre Walcott trazia apenas cópias de um livro medíocre sobre casos de assédio sexual nas universidades americanas. O detrator (ou detratora) anônimo de Walcott perdeu a chance de produzir um panfleto memorável, que atravessaria os séculos. Robert Greene, rival invejoso de Shakespeare, até hoje é lembrado pelo trocadilho com que atacou a presunção do inimigo: ele se acharia o único "Shake scene" (sacode cena) da Inglaterra. Se é para dar golpe baixo, então que seja com estilo.

Fotos Bettmann/Latinstock; Corbis/Latinstock; Arquivo Estado; Colin Mcpherson/Latinstoc

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