Entrevista:O Estado inteligente

sábado, fevereiro 07, 2009

Estados Unidos Os erros de Obama na formação da equipe

Obama pisando na bola

Enrolado com lobistas e sonegadores, Obama põe
em dúvida o prometido rigor ético e perde o foco
do que interessa: a crise econômica


André Petry, de Nova York

DOIS PESOS E DUAS MEDIDAS
Na saída de assessores, Obama diz que não há uma regra para o povo e outra para autoridades: pensando bem...

O presidente Barack Obama, que durante a campanha prometeu realizar "a mais radical reforma ética da história", foi à televisão para fazer uma confissão sem atenuantes:

I screwed up – admitiu, recorrendo a uma expressão pouco presidencial equivalente, em informalidade e clareza, ao brasileiríssimo "pisei na bola".

Obama screwed up porque seu indicado para secretário da Saúde, o ex-senador Tom Daschle, deixou de pagar 128 000 dólares de imposto. Daschle não informou ao Fisco que seu trabalho lhe dava carro com motorista, forma de renda que tem de ser declarada. Obama também screwed up porque Nancy Killefer, escolhida para zelar pela eficiência dos trabalhos na Casa Branca, não pagou 950 dólares de imposto referente à contratação de uma babá. Nancy Killefer renunciou à indicação na manhã de terça-feira. Horas depois, foi a vez de Tom Daschle. Em vez de focar na crise econômica, cada vez mais ameaçadora, Obama passou o dia falando de delinquências fiscais.

O presidente lamentou a saída dos ex-futuros auxiliares, sobretudo a de Daschle, notoriamente equipado para a enorme tarefa de criar um sistema universal de saúde pública, mas disse que o corte na própria carne era importante para que os americanos recebessem a mensagem certa: "A mensagem de que não há duas leis, uma para as autoridades e outra para o cidadão comum que paga seus impostos", disse. O defeito da mensagem é que o secretário do Tesouro, Tim Geithner, deixou de pagar 34 000 dólares ao Fisco e está no pleno gozo do posto.

De 2001 a 2004, Geithner deveria ter contribuído como autônomo para a previdência e a saúde, mas recebeu a parcela patronal e, em vez de ir ao guichê, embolsou o dinheiro. O Fisco pegou o erro referente a 2003 e 2004, Geithner pagou o que devia e se fingiu de morto sobre o erro dos anos anteriores. Ao contrário do cidadão comum, foi beneficiado pela interpretação camarada de que errou sem querer – e, claro, beneficiado também pela urgência da crise que terá de domar.

Quem suspeita que há sonegadores demais na política americana precisa lembrar que as nomeações presidenciais (não todas) são escrutinadas pela Comissão de Finanças do Senado, que, entre outras coisas, analisa com lupa a declaração de renda dos indicados. Se o Brasil adotasse o critério com a mesma seriedade, choveriam dólares antes que Renan Calheiros, o do laranjal, fosse ministro da Justiça ou Jader Barbalho, o do ranário, assumisse o Ministério da Previdência.

Os equívocos fiscais dos democratas deram aos republicanos um discurso e uma piada. A piada é que está explicado por que os democratas não se opõem a aumentos de impostos: porque, seja o imposto alto ou baixo, eles não pagam mesmo. O discurso é que a promessa de rigor ético de Obama era patacoada de campanha, já que, mesmo quando soube das heterodoxias tributárias dos escolhidos, não achou que deveria buscar outros nomes. E, como se houvesse duas leis, uma para tubarões e outra para bagres, não pediu a nenhum que renunciasse.

Pior. Em sua estreia na Casa Branca, Obama baixou o que está sendo considerado o conjunto de normas éticas mais rigoroso dos tempos modernos nos EUA. Uma delas diz que lobista não trabalha em seu governo. Pois bem. Com a norma em vigor, Obama nomeou William Lynn como braço-direito do secretário de Defesa. Lynn é ex-lobista da Raytheon, a mesma empresa que, à base de um lobby poderoso, forneceu equipamentos ao Sivam, na Amazônia. Obama também nomeou para um alto cargo na Saúde William Corr, ex-lobista de uma organização antitabagista. Como os dois vão trabalhar precisamente nas áreas em que faziam lobby, Obama afirmou que, no caso deles, era imperioso abrir uma exceção. Será lamentável, mas não de todo surpreendente, se qualquer um deles protagonizar aquelas cenas que levam o presidente à TV para dizer:

I screwed up.

Parece bom. Só parece

Marilynn K. Yee/The New York Times
ALÉM DO BÔNUS
Lewis, do Bank of America: 20 milhões


A ideia é simples: executivo de banco que pediu socorro financeiro ao governo fica proibido de receber bônus superior a 500 000 dólares por ano. A decisão, anunciada pelo presidente Barack Obama, ajuda a acalmar o contribuinte americano, irritado ao ver seu dinheiro salvando bancos cujos dirigentes levam milhões para casa em bonificações. Kenneth Lewis, chefão do Bank of America que pediu 45 bilhões de dólares ao governo, ganhou quase 6 milhões de dólares de salário e bônus em 2007. Bônus por levar o banco à lona? O teto, portanto, é uma medida popular, parece o triunfo da proverbial meritocracia americana e ainda fará com que os bancos pensem duas vezes antes de pedir ajuda à Casa Branca.

Bem, isso é o que diz a sabedoria convencional. Na prática, o teto é uma ideia mais populista do que eficaz. Populista porque está crivada de exceções, é quase impossível de fiscalizar (quem controla a criatividade de gente que inventou um derivativo?) e só vale para os próximos pedidos de socorro. Os 350 bancos já ajudados estão livres. Além disso, o grosso dos ganhos dos executivos não são bônus, mas ações. Lewis recebeu 6 milhões de dólares de salário e bônus e mais de 14 milhões em ações e outros benefícios. Por fim, o teto talvez seja ineficaz. Os bancos socorridos deixarão de atrair os melhores talentos e poderão ter mais dificuldade de superar a crise – e devolver o dinheiro aos cofres públicos.

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Fotos Brendam Smialowski/The New York Times, AP e Matthew Cavanaugh/EPA

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