Bancos sobem os juros às alturas e dizem que
precisam se defender da crise, mas o governo
considera os aumentos injustificáveis e promete
usar as suas armas para combater os abusos
Benedito Sverberi
Ed Ferreira/AE |
CONTRA-ATAQUE Meirelles, presidente do Banco Central: as instituições financeiras exageraram na dose dos juros |
VEJA TAMBÉM
|
A indústria brasileira simplesmente parou no fim de 2008. Segundo o IBGE, a produção das fábricas amargou uma queda de 12,4% em dezembro, a maior retração desde que a pesquisa começou a ser feita, em 1991. Chegou ao fim, dessa maneira, um período de três anos seguidos de aumento na atividade das empresas. Nesse cenário, as estimativas mais recentes dão conta de que o país crescerá menos de 2% neste ano. O coração da freada está no encarecimento do crédito interno, contaminado pelo aprofundamento da crise financeira internacional. Os juros subiram, os prazos encurtaram e os bancos passaram a exigir mais garantias para conceder novos empréstimos. Para reverter a falta de recursos, o Banco Central reduziu a taxa básica de juros (a Selic) e tem implementado uma série de medidas na tentativa de destravar as linhas de financiamento. Ainda assim, no entanto, as empresas continuam a encontrar dificuldades para se financiar, e, apesar da ação do BC, os juros subiram. Os bancos agora estão sob o bombardeio pesado do governo, que estuda novas maneiras de forçar uma redução do custo do dinheiro.
Os números são evidentes: a taxa média de juros cobrados pelos bancos subiu de 37% para 43% no último ano. Constantemente criticado por aqueles que defendem uma queda irresponsável da Selic, o presidente do BC, Henrique Meirelles, desta vez passou a bola: afirmou que a culpa pela alta nos juros deveria ser buscada nos bancos, que subiram excessivamente seus spreads. Na linguagem das finanças, recheada por termos em inglês, spread (pronuncia-se spréd) representa a diferença entre os juros que os bancos pagam para captar dinheiro no mercado (em geral, próximos da Selic) e as taxas que eles efetivamente cobram de seus clientes. Se o banco, por exemplo, toma dinheiro emprestado a 13% ao ano e o repassa cobrando 43%, o spread é de 30% (veja o quadro). Essa sobretaxa é cobrada pelas instituições financeiras para cobrir seus custos e também para auferir seus lucros, mas nela estão embutidas ainda a tributação e a inadimplência. Colocados contra a parede, os bancos argumentam que tiveram de subir suas margens de segurança por causa, principalmente, do aumento do risco de enfrentar uma onda de calotes. Já o governo considera a alta exagerada e inadmissível.
Alberto César Araújo/Folha Imagem |
A CRISE CHEGOU Fábrica de televisores em Manaus: 10 000 empregos perdidos na Zona Franca |
A discussão em torno do assunto esquentou ainda mais depois que o BC decidiu divulgar, em seu site, as taxas cobradas em cada um dos bancos. Ficaram em maus lençóis a Caixa Econômica Federal e o Banco do Brasil. A ideia do governo é utilizar as instituições públicas para aumentar a competição e incentivar a queda dos juros bancários. Mas, segundo a pesquisa do BC, a Caixa e o BB possuem, na maioria de suas linhas, taxas tão elevadas quanto aquelas cobradas pelo setor privado. Nas últimas duas semanas, os presidentes da Caixa e do Banco do Brasil têm sido chamados com frequência para participar de reuniões no Planalto, onde são cobrados duramente pela elevação de suas taxas. A Caixa, um banco 100% estatal e sem acionistas privados, já acatou a orientação do governo e anunciou uma redução dos juros. O Banco do Brasil, que possui cerca de 22% de suas ações negociadas na bolsa de valores, também cedeu, mas resiste em ser usado como instrumento político. A direção do BB argumenta que, diante do agravamento da retração econômica, não pode correr riscos em demasia ao preço de penalizar seus investidores. "Não podemos comprometer nossa rentabilidade", afirmou um executivo do banco.
As instituições privadas, por sua vez, dizem que precisam proteger o seu capital diante da ampliação das incertezas na economia. O economista-chefe da Federação Brasileira de Bancos (Febraban), Rubens Sardenberg, lembrou que o spread bancário vinha em trajetória de queda, por uma conjunção auspiciosa de fatores, entre eles o acesso a capital barato e abundante no exterior e a estabilidade macroeconômica interna. Mas, depois da bancarrota do banco americano Lehman Brothers, em setembro do ano passado, o dinheiro externo sumiu, o ambiente se deteriorou e as instituições brasileiras optaram por uma posição defensiva, jogando os spreads nas alturas – e tornando os financiamentos bem mais caros. Afirma Sardenberg: "Essa reação ocorre porque um banco não trabalha apenas com o presente. Ele tem de olhar o futuro, e, ao avaliar o noticiário, vê-se que existe uma possibilidade não desprezível de que a economia vá piorar. É natural que as instituições assumam uma atitude de maior prudência". Ou, como já disse o próprio presidente Lula, é melhor que o país tenha bancos rentáveis do que quebrados.
A discussão recente em torno do aumento dos spreads, no entanto, ignora uma questão de fundo: ainda antes da crise, o Brasil seguia como dono de juros bancários exorbitantes mesmo para um país em desenvolvimento. O dinheiro, aqui, custa caro. Um levantamento do Banco Mundial, relativo a 2007, dava conta de que a taxa anual na linha de empréstimo pessoal no país, então de 44%, era uma das maiores do mundo, atrás apenas de países como o Zimbábue e o Haiti. Na comparação com alguns pares latino-americanos, a diferença chega a ser constrangedora: no Chile, as taxas eram de 9% e, no México, de 8%. De acordo com os especialistas, para que o Brasil caminhe na direção de ter juros bancários normais, precisará criar as condições para diminuir a taxa básica de juros (sobretudo aprofundando o equilíbrio nas contas públicas) e também para reduzir os spreads.
Um bom começo, no sentido de reduzir os juros na ponta do tomador, seria fazer com que os bons pagadores deixem de pagar pela imprevidência dos caloteiros. Por isso, na avaliação do presidente da firma de análise de crédito Serasa Experian, Francisco Valim, seria necessário implantar no país, quanto antes, o chamado "cadastro positivo" – sistema de compartilhamento de informações bancárias entre as instituições, para que elas conheçam o histórico financeiro das pessoas e das empresas. Segundo Valim, esse cadastro reduziria a inadimplência e incentivaria a competição entre os bancos para atrair os bons clientes. "Isso acabaria com a socialização da inadimplência. Hoje, todos são considerados inadimplentes a priori. Todos pagam caro, em vez de só o mau pagador", afirma Valim.
Uma outra discrepância brasileira, quando o assunto são juros bancários, está na pesada carga tributária que incide sobre os financiamentos, algo sem paralelo entre as principais economias do mundo. Reduzir os impostos teria um efeito instantâneo na redução do custo do dinheiro. Mas isso, claro, significaria perder arrecadação, algo de que o governo não quer nem ouvir falar. O economista Márcio Nakane, coordenador técnico da Tendências Consultoria e estudioso do assunto, chama atenção para outro avanço necessário: a redução dos subsídios nas linhas do crédito direcionado, como a que beneficia o setor rural. "O problema não é haver crédito direcionado, mas, sim, o fato de as taxas serem fixadas pelo governo. Em geral, são alíquotas baixas para linhas de risco elevado", afirma Nakane. A lógica aqui é a seguinte: como os bancos perdem dinheiro naquelas linhas em que os juros são tabelados, precisam cobrar mais caro nas outras modalidades de crédito. Quem não goza das benesses de ter acesso a dinheiro subsidiado (ou seja, a maioria absoluta das pessoas e das empresas) acaba pagando caro pelo benefício de poucos.