O Globo |
3/4/2008 |
A lei sancionada pelo presidente Lula que reconhece as centrais sindicais, com o veto ao artigo que determinava ao Tribunal de Contas da União (TCU) a fiscalização do imposto sindical compulsório de que passarão a usufruir, é um retrocesso institucional gravíssimo, que nos faz retornar aos tempos do Estado Novo getulista. O Lula líder sindicalista defendia o fim da Era Vargas, classificava a CLT de "AI-5 dos trabalhadores" e dizia que, se Vargas foi o "pai dos pobres", era também "a mãe dos ricos". Hoje, a CLT e a unicidade sindical (apenas um sindicato por categoria em cada município), marcos da Era Vargas, persistem, e o sindicato continua atrelado ao Estado. Essa verdadeira "república sindicalista" foi sendo moldada à medida que decisões ampliaram o espaço de atuação e revitalizaram as finanças do sistema sindical brasileiro. O governo autorizou, por exemplo, os sindicatos a criarem cooperativas de créditos que poderão funcionar como bancos. Além disso, permitiu-lhes instituir, na reforma da Previdência Social, planos de previdência complementar. Como as regras só permitem planos de previdência fechados, os sindicatos não terão muita concorrência privada quando a questão for regulamentada. Uma medida em especial reforçou o poder de fogo das centrais sindicais: a autorização para que empréstimos sejam dados com desconto na folha de pagamento, com a intermediação dos sindicatos, o famoso crédito consignado. O que a lei 11.648/2008 agora faz é ressuscitar o papel do Estado como indutor da organização sindical, criando por lei as centrais, que não existiam legalmente. O PT e a CUT, do deputado Vicentinho, se aliaram à Força Sindical, do deputado Paulinho, do mesmo PDT do ministro do Trabalho, Carlos Lupi, e aceleraram a votação do projeto que, a título de um "reconhecimento histórico" das centrais, tem como motivação a captação anual de recursos originários do imposto sindical compulsório. Na Constituinte de 1988, o modelo sindical da Era Vargas foi superado em parte, e a associação profissional ou sindical passou a ser "livre", determinando ainda a Constituição que "a lei não poderá exigir autorização do Estado para a fundação de sindicato, ressalvado o registro no órgão competente, vedadas ao Poder Público a interferência e a intervenção na organização sindical". José Alves de Paula, advogado trabalhista, ressalta que "as centrais sindicais não faziam parte da pirâmide organizacional sindical, espelhavam uma realidade ou um fato (e, sobretudo a CUT, tinha grande força de coordenar os sindicatos e a ação sindical), mas não faziam parte do arcabouço jurídico que estruturara este modelo sindical". Pela Constituição, lembra Alves de Paula, o Estado "não tem de legitimar ou autorizar o funcionamento de entidades sindicais e fica-lhe vedado interferir ou intervir em qualquer organização sindical". A "legalização" das centrais sindicais, que já está sendo chamada de "pelegalização", foi feita pelo governo, ressalta o advogado trabalhista, "não para tornar mais representativos ou dar mais eficácia aos entes sindicais, mas simplesmente para incluir as centrais sindicais na partilha do espúrio imposto sindical". Outro especialista em Direito do Trabalho, José Arnaldo Rossi, diz que a alegação do presidente Lula de que vetou a fiscalização do Tribunal de Contas da União (TCU) nas centrais sindicais devido ao respeito à autonomia e à liberdade sindicais não resiste a uma análise, pois "esses valores estão feridos de morte pelo imposto sindical compulsório". E a fiscalização precisa ser feita porque "o dinheiro é público, por que ele é tirado à força a partir de um poder que só o Estado tem. O dinheiro que o trabalhador é obrigado a dar aos sindicatos deixa de ser privado, é um imposto", afirma. Alves de Paula lembra também que o imposto sindical "é um resíduo do sindicalismo pelego, criado por Getúlio Vargas, que considerava os sindicatos como entidades "auxiliares do Estado" e lhes dava o privilégio de arrecadar imposto e até de excluir de concorrência pública a empresa que não pagasse em dia o imposto sindical". Este modelo sindical, duramente combatido por juristas da área trabalhista e pelo próprio Lula enquanto sindicalista, teria que ter sido superado na Constituinte com a revogação do imposto sindical compulsório. No ano passado, uma emenda do deputado do PPS Augusto Carvalho, que tornava opcional a contribuição sindical compulsória equivalente a um dia de trabalho, foi aprovada em primeira votação na Câmara. Os sindicalistas, tanto representantes de trabalhadores quanto de patrões, se mobilizaram para não aprová-la definitivamente. Uma negociação foi feita para que o TCU fiscalizasse a utilização dos recursos arrecadados, mas, por baixo dos panos, os sindicalistas pressionaram o presidente Lula para que vetasse essa fiscalização "em nome da autonomia sindical". Uma autonomia que vale R$100 milhões anuais para as centrais sindicais. |
Entrevista:O Estado inteligente
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quinta-feira, abril 03, 2008
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