O brasileiro Estômago tem tudo para agradar àqueles
espectadores com um fraco pelos sabores exóticos
Isabela Boscov
Divulgação |
O cozinheiro e a prostituta: amor se fisga pela boca |
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Raimundo Nonato, o arquetípico migrante nordestino, chega a São Paulo com uma mala velha, passa o dia vagando sem rumo pela cidade e, a horas tantas, cansado e faminto, entra num boteco do centrão, come dois salgadinhos e cai no sono no balcão. Na hora de fechar, o dono descobre o óbvio: cadê o dinheiro para pagar o lanche? Então se inicia a curiosa saga do protagonista de Estômago (Brasil/Itália, 2008), que estréia nesta sexta-feira no país. Em troca da conta, ele terá de lavar a louça. No dia seguinte, vai ter de aprender a fazer pastel e coxinha. Ocorre que Raimundo é um cozinheiro nato, e logo o bar que vivia às moscas estará lotado de fregueses – entre os quais a prostituta Íria, que come as tais coxinhas com um prazer que causa vertigens ao seu criador. É por força de seu talento que Raimundo pulará dali para o fogão de uma cantina italiana (agora com salário e benefícios) e ganhará algum espaço no coração de Íria. Mas, como desde o início se sabe que ele acabou na prisão, é de imaginar que, em outras áreas, sua virtude não seja assim tão exaltada. O que ele fez para interromper uma carreira tão auspiciosa, e como evitará ser devorado pelos colegas de cela: eis as duas questões que Estômago vai deslindando com habilidade, enquanto simultaneamente homenageia e parodia um personagem clássico do cinema, o do cozinheiro que seduz a todos com seu tempero – todos, aqui, sendo não gourmets, mas freqüentadores de botecos pouco higiênicos, presidiários e prostitutas.
Dirigido por Marcos Jorge, estreante em longa-metragem mas profissional experiente na televisão italiana, na publicidade e nas artes plásticas, Estômago tem lá seus vícios. A saber, aquela propensão nacional para encher os diálogos de palavrões, onde eles cabem e também onde são supérfluos. Mas compensa seus pecadilhos com a direção fluente, imaginativa e salutarmente despretensiosa. Compensa-os, acima de tudo, na escolha dos protagonistas: o baiano João Miguel, de Cinema, Aspirinas e Urubus, que tem um dom para ao mesmo tempo fazer cara de paisagem e ser expressivo, e a novata Fabiula Nascimento, que enche Íria de calor e espirituosidade. Estômago talvez não seja para todos os gostos. Mas Jorge acerta tão bem a mão nos fundamentos básicos do cinema (entre os quais a trilha encomendada ao italiano Giovanni Venosta, excelente acompanhamento para a história) que não deixa muita dúvida: há chef novo na cozinha.