O Estado de S. Paulo |
3/4/2008 |
A popularidade do presidente Luiz Inácio da Silva parece ter subido à cabeça do governo inteiro. Do próprio - em estado de deslumbramento galopante - à tropa de congressistas - engalanada ao volante do trator -, passando agora pelo vice-presidente José Alencar e sua defesa do terceiro mandato, todos emitem sinais de gradativo distanciamento da realidade. Não que não haja motivo para tanto entusiasmo. Há de sobra, porque as coisas vão indo muito bem para o governo. O que carece de base real são as exorbitâncias resultantes de um sentimento generalizado de onipotência. Perde-se, a olhos vistos, o senso do limite e da racionalidade. Há vários exemplos. No caso do dossiê sobre os gastos de Fernando Henrique Cardoso, o governo apresenta sucessivas versões de uma história já na origem muito mal contada e ainda acha que as pessoas têm obrigação de abrir mão do próprio discernimento, da capacidade de cotejar fatos, e simplesmente acreditar. Por quê? “Porque é uma ministra de Estado que está falando”, disse outro dia um líder governista reivindicando credibilidade à terceira versão sobre o dossiê apresentada por Dilma Rousseff. Nesse contexto de desconexões entre as coisas tais como elas são e a maneira como são apresentadas ao público se inclui a agressividade dos ataques de Lula aos adversários políticos. Completamente desproporcional à força e ao combate que lhe dirige a oposição. O presidente fala nos palanques como se estivesse isolado, acuado por uma maioria oposicionista aguerrida, unida e inteiramente voltada à sua deposição, quando o que há na verdade é uma oposição amorfa, tentando preservar seu projeto eleitoral futuro, literalmente sentada em cima do muro. Contaminado pelo clima, vem o vice-presidente da República, ignora que a última pesquisa sobre eventual terceiro mandato registrou rejeição de 65% à tese, e põe na mesa a seguinte questão: “Se for perguntado aos brasileiros qual é o desejo deles, é que Lula fique mais tempo no poder.” A justificativa, segundo ele, é que o presidente “tem feito muito” e ainda “tem muito para fazer”. É a maior autoridade do País defendendo a quebra da estabilidade institucional porque o governante da ocasião está bem avaliado nas pesquisas. Se vamos assim, vamos mal. E o pior é que José Alencar recentemente desvendou um truque presidencial e acertou. Na véspera da última visita de Lula ao Rio, o vice-presidente disse que o candidato preferido dele à prefeitura da cidade era o senador Marcelo Crivella. Isso era ainda uma suspeita, pois o presidente acabara de firmar uma aliança com o governador Sérgio Cabral em torno do candidato do PT, Alexandre Molon. No dia seguinte, Crivella foi o único com direito a lugar no palanque e citação no discurso de Lula. Se no caso do terceiro mandato Alencar também estiver tão bem informado, vem por aí uma proposta de convocação de plebiscito. O presidente negou. Mas o fez em total desconexão com a realidade - “se tem uma coisa que eu não gostaria de fazer é discutir eleições” - de quem não tem feito outra coisa a não ser falar de eleição. Faz escuro Se o lobby das centrais sindicais foi poderoso o suficiente para derrubar a proposta do fim do imposto sindical depois de aprovada na Câmara e o presidente Lula maleável o bastante para livrar o uso do dinheiro da vigilância do Tribunal de Contas da União, o Congresso não salvará a lavoura derrubando o veto presidencial para devolver ao tribunal a prerrogativa de fiscalizar. Está, portanto, consagrado o princípio enviesado de que dinheiro “do público” não é dinheiro “público”. Trata-se de um sofisma usado pelos sindicalistas para dizer que os recursos da coleta de um dia de salário por ano de cada trabalhador registrado em carteira não são passíveis de auditoria externa porque não pertencem ao Estado. Ora, o Estado é a coletividade. Não tem meios de gerar recursos por si e se sustenta do dinheiro repassado pela sociedade sob a forma de impostos, cuja utilização precisa necessariamente ser fiscalizada por alguma instância independente da entidade receptora. Com o imposto sindical não pode ser diferente. A vigilância do TCU não fere, como argumentam as centrais, a autonomia dos sindicatos, que, aliás, não se sentem tutelados quando se trata de repasses de verbas administradas pelo Poder Executivo federal. Órgão auxiliar do Congresso Nacional, casa de representação popular, o Tribunal de Contas por isso mesmo é o foro adequado à fiscalização do destino do dinheiro dos brasileiros, seja ele recolhido pela Receita ou por entidades sindicais. O problema aqui não é de preservação de autonomia. O buraco é mais embaixo e mais escuro: trata-se de um salvo-conduto para o uso sem controle de R$ 100 milhões (só o caso das centrais) que passam a entrar nos cofres a cada ano. |
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