Entrevista:O Estado inteligente

sábado, setembro 01, 2012

O herói sem rosto - ÁLVARO PEREIRA JUNIOR


FOLHA DE SP - 01/09

Responda sinceramente: se você visse uma foto de Neil Armstrong, saberia dizer de quem se trata?

Edgar criou uma seita e se fez guru, Charlie tornou-se pastor evangélico, Edwin mergulhou no álcool e na depressão, Alan virou pintor de um único tema (o espaço), James diz ter recebido recados diretos de Deus, outro Alan (que era linha-dura) amoleceu o coração, Eugene viu a vida perder graça e cor, Jack entrou para política e fugiu enojado, John tentou retomar a rotina mas sofreu decepções brutais no trabalho, Pete levou tudo meio na brincadeira, David foi punido por tentar lucrar com sua aventura, Neil simplesmente desapareceu.

Neil é Neil Armstrong, engenheiro e astronauta (nesta ordem), morto semana passada, aos 82 anos. É o nome estelar de um grupo muito seleto: os 12 homens que andaram na Lua, "moonwalkers", palavra tão sonora e bonita em inglês. Edgar Mitchell, Charlie Duke, Edwin "Buzz" Aldrin, os Alans Bean e Shepard, James Irwin, Eugene Cernan, Jack Schmitt, John Young, Pete Conrad e David Scott completam a lista.

Centenas de astronautas, e até alguns bicões, foram ao espaço, na órbita da Terra. Mas os 12 acima, e mais uns poucos, viajaram além: escaparam da gravidade terrestre.

Para os que orbitam a Terra, ela é a presença dominante: viva, colossal.

Mas, para quem chega mais longe, nosso planeta não passa de um ponto flutuando no infinito. Neil Armstrong se deu conta disso quando, na Lua, fechou um olho e, com o polegar, bloqueou toda a visão da Terra.

Questionado se isso o fez sentir-se gigante, respondeu: "Não. Fez com que eu me sentisse muito, muito pequeno". A declaração resume sua personalidade.

De todos os nomes que marcaram o século 20, talvez Neil Armstrong, comandante da Apollo 11, seja o único ao qual não se associa, imediatamente, um rosto. De Lênin a Einstein, de Churchill a Pelé, passando por James Joyce, Hitler, Freud, nome e feições são inseparáveis. Mas nunca foi assim para Armstrong.

Sinceramente: antes de ver as fotos publicadas nos últimos dias, você se lembrava do rosto do primeiro homem na Lua? Mesmo se fosse aquela tão linda, tirada pelo companheiro de jornada, Buzz Aldrin, quando eles acabavam de voltar ao módulo lunar, depois da "moonwalk" pioneira, Neil sem capacete, sorriso aberto, lágrimas nos olhos pequenos, se essa imagem fosse apresentada de repente, você saberia de quem se tratava?

A não ser que seja "astronautólogo", com certeza a resposta é não. Até o site da NBC News se confundiu. No dia da morte, chamou Neil Armstrong de "Neil Young".

Neil quis assim. Ainda que sem intenção, manteve um "low profile" até na Lua: não há fotos dele andando pelo satélite. Só dois ou três registros precários, obtidos por filmadoras presas à nave. Não exatamente fotos -imagens de cinema congeladas.

Máquina fotográfica, mesmo, só havia uma. Armstrong fez dezenas de fotos do colega na superfície lunar. Mas não houve recíproca. Aldrin diz que, em meio a tantas tarefas, se esqueceu.

Especulou-se sobre uma possível vingança de Aldrin por não ter sido o primeiro a pisar na Lua. No livro de James R. Hansen, "First Man: The Life of Neil A. Armstrong", Neil disse não acreditar nisso. Aldrin também nega.

Ao voltar da Lua, Neil Armstrong cumpriu suas obrigações sociais e políticas e, tão rápido quanto pôde, recolheu-se. Primeiro, a uma função burocrática na Nasa. Depois, a uma cadeira de engenharia na modesta (para os padrões americanos) Universidade de Cincinnati, em seu Ohio natal.

Deu raras entrevistas, resguardou obstinadamente a intimidade e só voltou à Nasa quando chamado (nas investigações dos acidentes da Apollo 13 e do ônibus espacial Challenger).

Extraí a maioria destas informações de um livro excelente: "Moondust" (2005), de Andrew Smith, que saiu em busca dos "moonwalkers" vivos (eram nove; agora, oito).

Smith aborda um sentimento também explorado em vários livros e filmes: a mágoa de alguns astronautas das missões posteriores à Apollo 11. Com o público já acostumado aos pousos lunares, "moonwalkers" pós-Armstrong julgam não ter recebido o devido reconhecimento.

Um dia, dos nove, restará só um: o último homem vivo a ter andado na Lua. Talvez, tantos anos depois, esse herói derradeiro atinja a notoriedade que sente merecer. A mesma notoriedade de que tanto fugiu o engenheiro Neil Armstrong, piloto civil, ele sim, o primeiro homem na Lua.

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