Entrevista:O Estado inteligente

terça-feira, setembro 18, 2012

Além das metas - JOSÉ PAULO KUPFER


O Estado de S.Paulo - 18/09


Há uma série de importantes indicações embutidas na notícia de que os índices de mortalidade infantil, no Brasil, recuaram, em duas décadas, de forma acelerada, a ponto de alcançar - na verdade, superar - as metas estabelecidas pela ONU, para 2015, com quatro anos de antecedência. Em duas décadas, de fato, o recuo no número de óbitos de crianças até cinco anos, por ano, foi de 73%.

Morriam, em 1990, 58 brasileiros por mil nascidos, antes de completar cinco anos. Em 2011, esse número recuou para 16.

A primeira dessas indicações é que várias batalhas foram vencidas, mas a guerra ainda está longe do desfecho. O índice brasileiro continua alto quando comparado com o de outros países. Precisa cair pela metade para emparelhar com o limite superior da faixa em que se encontram muitas nações de renda média, como o próprio Brasil, e as de renda alta.

Essa é uma tarefa obviamente difícil, mas nada impossível. Na última década, o ritmo de redução da mortalidade infantil no Brasil foi de 7,5% ao ano - só outros dez países avançaram tão rapidamente. Mantido esse ritmo, portanto, até 2020 o objetivo poderia ser alcançado.

Dá até para ir mais depressa. A desnutrição infantil, um fator crítico na mortalidade precoce, também está em franco declínio. No Nordeste, a região mais afetada, a redução da desnutrição infantil avança em ritmo sem igual no mundo. Entre 1986, quando começaram os esforços sistemáticos para avaliar a extensão e as causas do problema, a 2006, o índice despencou de 34% das crianças para 6% e já está abaixo de 5%.

Se melhorarem as condições de saneamento, a desnutrição infantil também poderá ser praticamente eliminada antes de 2020.

Existe clara relação entre os avanços nesses indicadores e o resultado das políticas de renda, aplicadas nessas duas últimas décadas e, com mais agressividade, nos últimos dez anos. Mas, como observam os pesquisadores da área, o ritmo de queda nos índices de mortalidade e desnutrição infantis tem sido mais acelerado do que as melhorias de renda são capazes de explicar.

O inegável êxito brasileiro no combate a essas terríveis chagas sociais, mesmo com a contribuição ainda muito insatisfatória dos programas de saneamento básico, tem outras causas além das econômicas.

Uma delas deriva da melhora na atenção à saúde infantil. Seu aspecto talvez mais relevante seja o domínio brasileiro das tecnologias de aplicação de campanhas de vacinação em massa, em combinação com a manutenção atualizada da caderneta de vacinação como requisito para acesso a diversos programas sociais.

Outra contribuição importantíssima deriva da difusão de soluções simples eficazes, de fácil administração, do tipo soro caseiro contra diarreia e desidratação - uma das principais causas imediatas da mortalidade infantil. Aqui é obrigatório render sempre homenagens à Dra. Zilda Arns e ao trabalho por ela desenvolvido na Pastoral da Criança.

Seu legado é o da aplicação do que melhor se pode esperar de uma política econômica: a promoção, a baixo custo e máxima eficiência, de melhorias na qualidade de vida e no bem-estar de enormes e necessitadas parcelas da população. A receita de sucesso, já bem disseminada, é de uma simplicidade comovente.

Junta um simples soro caseiro de água e sal, para combater a desidratação, misturas nutritivas elaboradas com sobras de alimentos, controle periódico de peso e altura das crianças e... educação das mães.

Este último é o grande diferencial explicativo para o avanço acelerado na redução da mortalidade e da desnutrição infantis. Pesquisas e mais pesquisas já não deixam qualquer dúvida sobre o fato de que mães mais pobres, porém mais instruídas, capazes de replicar conhecimentos e orientações puericulturais, asseguram desenvolvimento mais saudável de seus filhos do que mães menos pobres e menos instruídas.

São realmente muitas as lições que os bons resultados brasileiros no combate à mortalidade e à desnutrição infantis permitem extrair.

Talvez a maior delas seja a de que a solução de problemas sociais complexos não advém de alguma ideia genial de um governante genial, adotada com ares de panaceia. De fato, essa história, que caminha para um final feliz, começou lá atrás, há mais de 25 anos, e não é obra de um único governo.

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