RIO DE JANEIRO - Nelson Rodrigues era diabólico. Com toda a miopia e aversão a óculos, seu poder de enxergar ao longe era desconcertante. Como em 1970, quando, durante meses, sustentou sozinho a certeza de que a seleção brasileira "ganharia andando" a Copa do México (seus colegas, os "profetas da derrota", apostavam na correria das seleções europeias). Bem, o Brasil ganhou andando.
Outra premonição foi a de fins de maio de 1962, quando garantiu que, se Pelé se machucasse na Copa do Chile, o garoto Amarildo o substituiria como um "possesso". Um mês depois, Pelé se contundiu na segunda partida e a Copa acabou para ele. Amarildo entrou nos jogos restantes, fez os gols que Pelé faria e foi o "Possesso" que Nelson anteviu.
Outra de suas "verdades eternas" -proclamada na "Resenha Facit", que Nelson estrelava na TV Rio com João Saldanha, Armando Nogueira e demais- foi a de que o videoteipe era "burro". Na hora, parecia absurdo -como contestar algo que se podia ver e rever? Trinta anos depois, uma infração de Júnior Baiano na área do Brasil passou em branco pelos videoteipes e só apareceu, dias depois, por um ângulo inusitado de câmera. O juiz, que marcara o pênalti, estava certo. O videoteipe era mesmo burro.
Em fins dos anos 60, Nelson produziu outra frase impossível de ser verificada e que parecia provocação: "Ainda seremos o maior país ex-católico do mundo". Previa um declínio da fé católica no Brasil porque setores da igreja estavam trocando a promessa da vida eterna pela luta armada contra a ditadura.
Nas décadas seguintes, sai papa, entra papa, essa linha política seria abandonada. Mas o encanto se quebrara. Em 1970, os católicos eram 90% dos brasileiros. Hoje, segundo o IBGE, são 64%. E, em 2030, serão menos de 50%. Nelson errou a causa, mas sua sentença continuou de pé.