Entrevista:O Estado inteligente
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domingo, julho 08, 2012
O que o andar de baixo disse a Lula - ELIO GASPARI
FOLHA DE SP - 08/07
A professora Amélia Cohn estudou 1.375 cartas enviadas a Nosso Guia e informa: os pobres querem seus direitos
Está nas livrarias "Cartas ao presidente Lula", da professora Amélia Cohn, ex-diretora de programas do Ministério do Desenvolvimento Social. Ela estudou 1.375 cartas enviadas a Lula entre 2004 e 2006 por beneficiários ou postulantes ao Bolsa Família. Com o início da campanha eleitoral, deveria ser leitura obrigatória para candidatos e marqueteiros de todos os partidos.
A base do estudo é delimitada, pois dá uma amostra das aspirações e dos pleitos apenas de pessoas pobres que escrevem ao presidente da República.
Aí começam as surpresas. São poucos os casos em que pedem favores. Predominam as tentativas de exercício daquilo que pessoas pobres veem como um direito e apelam ao presidente para que as ajude a exercê-los.
Por exemplo: uma mulher cadastrada desde 2003 esperava havia três anos uma resposta e não conseguia nem sequer ser bem tratada. Diz a professora: "Lula não é visto como pai dos pobres, como no caso de Getúlio Vargas, mas sim como um presidente dos pobres".
As narrativas mais instrutivas vêm de pessoas que são maltratadas na rede de atendimento dos municípios. Uma senhora escreveu quatro cartas, nunca teve resposta, foi de bicicleta à prefeitura (oito horas e meia de viagem), e o encarregado do serviço não estava. Quando reclamou, um magano disse-lhe que "o Brasil todo está passando fome".
Noutro caso, a senhora andou oito horas e soube que o cadastro só abriria no próximo ano: "É um direito nosso e se formos falar isso é capaz até de irmos presos".
Outra senhora, que recebia R$ 95, foi rebaixada para R$ 45. Quando se queixou, o funcionário disse que, se voltasse a reclamar, ficaria sem nada.
Nas respostas-padrão do governo federal os comissários usam expressões como "congênere" ou "pleito" e sugerem a quem não consegue "colocação por meio do posto local do Sistema Nacional de Emprego" que vá buscá-lo em outra cidade. Isso e algum blá-blá-blá: "O presidente Lula faz um convite para que continue acreditando e participando cada vez mais da construção do país com que todos sonhamos".
"O que as cartas revelam é a presença generalizada de uma insensibilidade da máquina estatal", diz a professora. Ela aponta a existência de uma "gincana de obstáculos" no caminho de quem quer exercer seus direitos previdenciários.
"Cartas ao Presidente Lula" tem duas virtudes. Numa, dá voz aos pobres. Noutra, diz a professora Cohn, essas vozes "negam todas as ideias preconcebidas daqueles que acusam o Bolsa Família de ser um programa meramente assistencialista, que estimula o não trabalho (a preguiça) e a dependência dos pobres em relação ao Estado".
Medo da doutora
Para ter uma ideia do tamanho do medo que a doutora Dilma inspira. Em abril passado, quando ela foi à Universidade Harvard, estava programada uma palestra da escola Kennedy de governo.
Quando a comitiva chegou, informou aos professores que ela falaria aos alunos, mas não aceitaria perguntas.
Pelo ritual da escola, nada feito. Sem perguntas não haveria palestra, pois em Harvard os alunos são os fregueses e pagam US$ 45 mil anuais pelo curso.
Consultada, a maior autoridade a bordo da comitiva respondeu: "Eu não tenho nada a ver com isso".
O diretor da escola tratou o assunto com a doutora e, numa boa, as perguntas foram aceitas, e o mundo não acabou.
Tunga do Cadê
O comércio está tentando arrancar do governo o beneplácito para cobrar a mais nos pagamentos feitos com cartão de crédito. Nenhum comerciante é obrigado a aceitar cartões, mas aqueles que oferecem essa facilidade não têm porque tentar uma tunga em cima da patuleia. O Conselho Administrativo de Defesa Econômica (de quem?), acha a proposta viável. Uma bela tunga em cima da choldra que paga impostos, sustenta o Cade, e ceva as operadoras de cartões com suas anuidades.
Se uma mercadoria custa R$ 100, o freguês que usa cartão paga R$ 100. Ele não tem descontos, salvo as ofertas que as operadoras fazem, porque querem.
Eremildo, o idiota oferece três outras ideias:
1) Cobrar 5% a mais para homens de paletó.
2) 10% a mais para mulheres de salto alto.
3) 25% a mais para casais que levem crianças a lojas de brinquedo.
Cheiro bom
Sente-se no ar de Brasília o cheiro de mudanças no ministério. Nada a ver com reforma ministerial. Simples "recall" de peças quebradas.
Juquinha
Quando a Polícia Federal batizou de "Trem Pagador" a operação que botou na cadeia o doutor Juquinha, ex-presidente da Valec, sabia o que estava fazendo. Até 2007, foi ele quem cuidou do projeto do trem-bala, incluído no PAC pela doutora Dilma. O projeto era rematada lorota. O trem iria do Rio a São Paulo (Campinas, nem pensar) e não pararia no caminho (o porquê, nem Juquinha sabia). Juquinha amealhou um patrimônio de R$ 60 milhões. É um caso raro de pessoa que, não sabendo fazer nada, soube de quase tudo.
Modelo chinês
Está na rede o e-book "Tiger Head Snake Tails" (Cabeça de Tigre, Rabo de Cobra - A China de hoje, como ela chegou lá e para onde vai), do jornalista inglês Jonathan Fenby, ex-editor do "Observer", do "Guardian" e do "Independent". Sai por US$ 16,99 e é coisa fina.
Fenby terminou o livro antes da degola do demagogo Bo Xilai, mas sua prospecção sobre a liderança que assumirá em outubro é boa leitura. Para a turma encantada com o modelo chinês:
1) Até hoje não se achou o registro documental de quando e onde Deng Xiaoping disse que "ficar rico é glorioso". Se não disse, pensou.
2) Desde 2003, mais de 50 bilionários chineses morreram de causas não naturais. Dezessete se mataram, 15 foram assassinados e 14 foram executados.
O doutor Juquinha chinês teria embolsado US$ 600 milhões, foi defenestrado e tem um irmão na cadeia, com a pena de morte suspensa.
Saúde e educação na campanha de 2014
Os doutores Aloizio Mercadante (Educação) e Alexandre Padilha (Saúde) têm infinita confiança na marquetagem. Um anunciou que entregaria 600 mil tablets a professores (para quê, ainda não se sabe). No governo dos outros, comandava greves, mas nunca produziu uma de 53 dias, como a que há hoje na rede federal de ensino.
O outro visita cracolândias distribuindo pedras de promessas e, em dez meses, gastou R$ 1,44 milhão indo a eventos como a Festa do Caminhoneiro e a de Aparecida.
O repórter Ilimar Franco mostrou que, durante a campanha eleitoral, Padilha propagava o compromisso da doutora Dilma Rousseff com a redução da jornada de trabalho dos enfermeiros. No ministério, batalha contra.
A última pesquisa CNI/Ibope informou que o índice de desaprovação das políticas de educação e saúde da doutora Dilma subiu de 47% para 54% e de 63% para 66%.
Se Deus for brasileiro, a próxima campanha presidencial girará em torno desses dois temas.
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