Punhos de renda é uma boa metáfora para a diplomacia.
Significa suavidade, bons modos, boa educação, lhaneza de trato e acima de tudo fidelidade a compromissos assumidos.
Durante muitos anos o Itamaraty carregou essa classificação como se punho de renda fosse um arabesco sem significado para definir um enfeite comportamental supérfluo.
Mas não é.
A diplomacia de um país carrega o significado da atitude que ele assume diante da realidade cultural e política das nações com as quais esse país se relaciona.
Durante décadas, a casa de Rio Branco, como o Itamaraty se tornou conhecido, construiu uma reputação impecável no universo diplomático internacional graças à coerência com a qual administrou a inserção civilizada do Brasil na tarefa de administrar a convivência entre as nações.
A diplomacia brasileira defendeu durante anos o princípio de não-intervenção como um dos seus conceitos fundadores e através dele marcou a sua inserção no jogo diplomático internacional independentemente de quem estivesse ocasionalmente ocupando o poder.
Uma diplomacia profissional e ideologicamente neutra construiu um histórico sólido de independência em relação aos ocupantes ocasionais do poder.
Até no regime militar o Itamaraty se manteve distante do mood ideológico dominante e tomou decisões contrárias aos interesses geopolíticos imediatos dos militares.
O histórico de anos de altivez do Itamaraty começou a ser manchado nos últimos anos de diplomacia oportunista do governo petista, quando a confusão entre política de Estado e de governo começou a se sobrepor aos princípios institucionais do Itamaraty.
E mais do que uma política de governo - o que em si já seria uma anomalia - o ministério de Relaçoes Exteriores passou a praticar uma política de partido, deixando os interesses nacionais a reboque dos interesses ideológicos do partido no poder.
Foi assim com a crise em Honduras, foi assim na relação com o governo teocrático do Irã, foi assim na condescendência com o regime autoritário de Cuba, e foi escandalosamente afrontoso no episódio da condenação do suposto “golpe” no Paraguai, usado como pretexto para romper com todos os tratados internacionais, permitindo a entrada da Venezuela no Mercosul pela porta dos fundos.
O artigo 32 do Tratado de Ouro Preto, que trata do ritual de admissão de novos membros do Mercosul, exige a concordância de todos os membros.
O truque da “suspensão” do Paraguai foi um golpe baixo e a pressão denunciada pelo chanceler e pelo vice-presidente do Uruguai pela entrada forçada da Venezuela foi vergonhosa.
Ou seja: deixa-se artificialmente um membro do Mercosul a nocaute, provisoriamente, a pretexto de um golpe que não houve, pressiona-se o outro, a ponto de ele denunciar o incômodo com a pressão, e consegue-se a inserção do novo membro, que era vetado até então.
Nem é porque o Mercosul, como união aduaneira, valha uma missa em termos econômicos ou estratégicos. É pura birra ideológica, para dar ao bolivarianismo uma aparência de poder que ele não tem pelo consenso, mas só pela força.
A política de não-ingerência nos assuntos de outros países foi relativizada por uma não-ingerência de acordo com a cara do freguês.
Usar o Itamaraty para uma manobra tão rasteira como essa é uma humilhação para a casa de Rio Branco.