O GLOBO - 07/08/11
No momento em que o governo Dilma reconhece o perigo da desindustrialização e lança um programa de incentivo à indústria nacional, com medidas protecionistas que, em alguns casos, repetem erros do passado, criando reservas de mercado que podem gerar uma indústria sem competitividade, o economista Reinaldo Gonçalves, professor titular da Universidade Federal do Rio de Janeiro, publica um trabalho em que pretende demonstrar que, ao contrário do que seus seguidores defendem, o projeto econômico do governo Lula se caracteriza pelo que o economista chama de "Nacional Desenvolvimentismo às Avessas".
Ele classifica seu trabalho como uma crítica "aos analistas que identificam três traços distintivos do Governo Lula: a realização de grandes transformações; a reversão de tendências estruturais; e a predominância da visão desenvolvimentista nas políticas a partir de 2005".
Para Gonçalves, o que se constata claramente é: desindustrialização, aumento das importações (que chama de "desubstituição de importações"); reprimarização das exportações; maior dependência tecnológica; maior desnacionalização quando se desconta a expansão das três maiores empresas do país ligadas à exploração de recursos naturais (Petrobras, BR Distribuidora e Vale); crescente vulnerabilidade externa estrutural em função do aumento do passivo externo; e crescente dominação financeira, expressa na subordinação da política de desenvolvimento à política monetária focada no controle da inflação.
Ele dividiu o estudo em seis partes:
Estrutura produtiva: Desindustrialização e desubstituição de importações
A participação da indústria de transformação no PIB reduz-se de 18% em 2002 para 16% em 2010. Neste período, a taxa de crescimento real do valor adicionado da mineração é de 5,5%; da agropecuária, 3,2%, e da indústria de transformação, 2,7%. "Os diferenciais entre estas taxas de crescimento informam um processo de desindustrialização da economia brasileira no Governo Lula", afirma.
O processo de desindustrialização é acompanhado pela desubstituição de importações. Segundo o estudo, o coeficiente de penetração das importações aumenta, de forma praticamente contínua, de 11,9% em 2002 a 18,2% em 2008.
Padrão de comércio: Reprimarização das exportações
No Nacional Desenvolvimentismo, a mudança do padrão de comércio significa menor dependência em relação às exportações de commodities. Ao contrário, mostra o estudo de Gonçalves, no Brasil de Lula a participação dos produtos manufaturados no valor das exportações mostra clara e forte tendência de queda (56,8% em 2002 para 45,6% em 2010), enquanto há tendência igualmente clara e forte de aumento da participação dos produtos básicos (25,5% em 2002 para 38,5% em 2010).
Progresso técnico: Dependência tecnológica
No Governo Lula, verifica-se também o processo de maior dependência tecnológica. O indicador usado é a relação entre as despesas com importações de bens e serviços intensivos em tecnologia, e os gastos de ciência e tecnologia, que aumenta de 208% em 2002 para 416% em 2010. "Ou seja, há duplicação do grau de dependência tecnológica".
O chamado "déficit tecnológico", a diferença entre o valor das importações de bens altamente intensivos em tecnologia e maior valor agregado e dos serviços tecnológicos e o valor das exportações destes bens e serviços, aumentou significativamente, de US$15,4 bilhões em 2002 para US$84,9 bilhões em 2010.
Estrutura de propriedade: Desnacionalização
No Nacional Desenvolvimentismo, há preferência revelada pelo capital nacional, público ou privado, com o objetivo de reduzir a vulnerabilidade externa. No Governo Lula, se descontada a grande influência das três maiores empresas (Petrobras, BR Distribuidora e Vale), teremos uma boa idéia do grau de desnacionalização da economia brasileira, segundo Gonçalves.
O trabalho mostra que houve aumento da participação das empresas estrangeiras no valor das 497 maiores empresas no país: 47,8% em 2002 e 48,5% em 2010.
O autor admite, no entanto, que são mudanças "pouco expressivas" quando se considera o período de oito anos do Governo Lula.
Vulnerabilidade externa estrutural: Passivo externo crescente
No Governo Lula há aumento significativo do passivo externo total do país, que passa de US$343 bilhões no final de 2002 para US$1,294 trilhão no final de 2010.
O passivo externo aumenta de US$260 bilhões em 2002 para US$916 bilhões em 2010. Considerando as reservas internacionais de US$300 bilhões, "verifica-se que o passivo externo financeiro do país é 3 vezes o valor das reservas no final de 2010".
O saldo da conta de transações correntes em relação ao PIB mostra nítida tendência de queda a partir de 2005, e torna-se negativo a partir de 2008. As projeções do FMI apontam que o Brasil deverá experimentar recorrentes déficits de transações correntes do balanço de pagamentos - de 3,0% a 3,5% -, que crescerão de US$60 bilhões em 2011 para US$120 bilhões em 2016.
Política econômica: Dominação financeira
No Governo Lula a taxa média de rentabilidade dos 50 maiores bancos é sempre superior à das 500 maiores empresas.
De 2003 a 2010, a taxa média de rentabilidade das maiores empresas é de 11% e a taxa dos bancos é 17,5%.
"Além do abuso do poder econômico, os bancos se beneficiam da política monetária restritiva caracterizada por elevadas taxas de juro", analisa Reinaldo Gonçalves.
Entrevista:O Estado inteligente
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