Entrevista:O Estado inteligente

sexta-feira, agosto 19, 2011

Modo crise MÍRIAM LEITÃO


O GLOBO - 19/08/11

As notícias chegaram todas numa única quinta-feira: números ruins da indústria e do desemprego nos Estados Unidos; suspeita das autoridades regulatórias americanas sobre os bancos europeus; relatórios de bancos revendo para baixo o crescimento na Europa e nos Estados Unidos. Quando o mercado opera em "modo crise", ele só soma as más notícias.

Não houve um fato separado. Todos juntos confirmam que o mundo crescerá menos este ano e algumas economias líderes estão em recessão; a crise do euro vai além das inquietações com uma ou outra economia, ela é muito maior e mais complexa; a recuperação americana não consegue se sustentar.

Já se sabia que os grandes bancos soltariam relatórios revendo todas as previsões e análises. Mas quando eles saem, como agora, realimentam o pessimismo. Para piorar, circula a notícia de que as autoridades fiscalizadoras americanas estão olhando com cuidado os bancos europeus, para ver se eles estão saudáveis.

Aí ocorre o que os economistas chamam de movimento de aversão ao risco: os fundos deslocam seus investimentos para ativos que consideram mais seguros. E ontem aconteceu o mesmo movimento contraditório: os capitais se abrigam nos títulos do Tesouro americano; vão financiar a juros negativos a dívida do país que originou a atual crise.

Segundo um relatório do Boston Consulting Group, as análises do Congresso americano mostram que nos próximos dez anos a dívida americana - que hoje está em US$ 14 trilhões - vai aumentar outros US$ 8,5 trilhões. E isso é muito para uma economia que mal está crescendo. Se a economia cresce, a dívida como porcentagem do PIB sobe menos, mas com o país estagnado a conta é explosiva. Mesmo assim, é para esse guarda-chuva que os capitais correm.

Um dos maiores temores do mundo é o de que os Estados Unidos virem um grande Japão. O país asiático parou de crescer numa crise bancária seguida de crise fiscal e nunca mais retomou o ritmo anterior.

É por isso que cada novo relatório como o de ontem do Morgan Stanley, que reviu de 2,6% para 1,8% o crescimento americano este ano, ainda que não diga nenhuma novidade causa tanto pessimismo. E foi por isso também que um relatório do Fed da Filadélfia sobre a estagnação com desemprego na região centro-atlântica americana foi olhado com tanta atenção.

Os emergentes foram a solução em 2008/2009, mas agora se teme que não possam ser. A China não poderá fazer um novo mega-pacote de investimentos como o que fez naquela época porque não tem mais espaço para isso, entre outras razões, pela inflação alta.

O Brasil também está com inflação alta e depende que a China permaneça crescendo muito para continuar comprando nossas commodities. É por isso que a Bolsa brasileira cai tanto. O temor é que os preços das commodities despenquem. O Morgan Stanley, no relatório em que derrubou as previsões de crescimento mundial, reviu de 4,6% para 3,5% a alta do PIB brasileiro este ano.

O pouco dinamismo americano não será revertido pelas diárias declarações do presidente Barack Obama na linha motivacional; mas os Estados Unidos são capazes de encontrar forças na sua impressionante capacidade de inovação. O mundo se encontra cercado de marcas, aparelhos, soluções de comunicação, tudo desenvolvido na economia americana.

Mais complexo é o problema europeu. O paralelo feito pelo editor sênior do Wall Street Journal , David Wessel, republicado no jornal Valor Econômico de ontem, é bom, mas se a ideia for aplicada à Europa talvez signifique um passo grande demais.

Wessel usou dois exemplos históricos de solução para dívidas de entes federados: a solução dada por Alexander Hamilton, em 1790, e por Fernando Henrique Cardoso, 200 anos depois. Hamilton, que na época era secretário do Tesouro americano, federalizou as dívidas dos Estados que haviam sido contraídas na época da Guerra da Independência.

No Brasil, o governo Fernando Henrique conduziu uma longa e penosa negociação com Estados e os principais municípios. Nos dois casos, a União refinanciou dívidas em troca de parâmetros fiscais que tinham que ser obedecidos. No Brasil, tudo isso foi fechado na Lei de Responsabilidade Fiscal.

São bons exemplos de solução do problema fiscal, mas a grande questão é saber o que é a Europa. Os Estados Unidos e o Brasil são países. Os Estados têm suas identidades, mas sabem que pertencem a um mesmo país. O experimento europeu é novo: são países independentes, que se juntaram numa união monetária, mas que querem manter a soberania nacional.

Querem o lado bom da união monetária, mas não previram o que fazer quando tudo começasse a dar errado como agora. A solução que alguns analistas têm proposto, como fez Wessel nesse artigo, e eu já ouvi o mesmo de alguns especialistas brasileiros, é que a Europa aprofunde a federação. O problema é que todos os países acreditam agora que perderam com a união monetária.

Os alemães acham que têm de financiar os países fracos; os países fracos reclamam de não terem mais o instrumento de desvalorização da moeda, que sempre é usado para tirar países de crises assim.

O pecado original da Europa foi ter traído os princípios do Tratado de Maastricht, que estabelecia um limite para o déficit fiscal.

Os problemas que o mundo enfrenta nessa segunda volta da crise não são nada triviais. Enquanto não se encontram as soluções, as bolsas vão continuar operando no modo crise. A qualquer susto novo, uma queda.

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