Entrevista:O Estado inteligente

quarta-feira, agosto 17, 2011

Sem expectativa Merval Pereira


O Globo - 17/08/2011


Não existe nada que agregue mais na política do que a expectativa de poder. Agrega mais, em certas circunstâncias, que o poder presente, finito por definição. Essa "sabedoria política" anda muito presente nas conversas brasilienses, à medida que cresce a sensação na sua base aliada de que a própria presidente Dilma parece admitir ter um mandato datado, que se encerra em 2014.

Sua atitude inusitada em relação às necessidades da base aliada, subvertendo em determinados momentos as regras não escritas deixadas por seu antecessor e mentor político, seria a indicação de que ela estaria tentando marcar sua passagem pela Presidência de maneira pessoal, sem se interessar por uma extensão do mandato por mais quatro anos, isto é, abrindo mão de criar "expectativas de poder" pessoal.

É claro que esse raciocínio é de quem considera ser impossível governar sem o apoio de partidos fisiológicos, uma distorção de nosso sistema de coalizão partidária.

Há também as "polianas" políticas, que gostam de uma teoria conspiratória. Essas acreditam ainda hoje, e depois de tantos casos acontecidos, como o mensalão, que Lula não tem tanta afinidade assim com os políticos fisiológicos que sempre protegeu.

Ele, na verdade, "precisou" deles para governar e ter sucesso. Ao escolher Dilma como candidata à sua sucessão, o fez por ela não dever favores nem ao PT nem aos partidos aliados, estando livre, portanto, para fazer a "limpeza ética" que seria, nessa teoria, um projeto de Lula, e não de Dilma.

Os conselhos do ex-presidente para que Dilma vá mais devagar com a vassoura nada significam para esses ingênuos que ainda acreditam que o Lula crítico dos "300 picaretas" do Congresso ainda existe (se é que existiu).

É verdade que ele, na montagem da campanha presidencial de 2010, subverteu todos os conceitos e, ao contrário do que queria o partido, usou toda sua força política para inviabilizar candidatos potenciais petistas até tirar do fundo da cartola uma candidata improvável, que acabou elegendo.

Mas essa espécie de "fuga para frente" deveu-se a dois fatores, que nada têm a ver com o propósito de realizar a "faxina", muito ao contrário.

Lula temia que se escolhesse um petista daqueles tradicionais não apenas dividiria o partido como corria o risco de perder a eleição.

Ao mesmo tempo, mesmo derrotado, estaria criado um novo líder dentro do PT, o que Lula nunca deixou acontecer nesses anos todos em que foi o único candidato petista à presidência da República.

O que Lula queria era eleger um candidato que devesse a ele, que fosse interpretado pelo eleitor como um fantoche a ser manipulado pelo grande líder.

Tanto que escolheu os ministros mais importantes de sua pupila, e mantém até hoje uma influência inédita sobre as decisões do governo. Ou pelo menos é ouvido pela presidente com mais assiduidade do que qualquer outro ex-presidente de que se tenha notícias.

Mas, como nem tudo é previsível, a presidente Dilma teve que enfrentar um problema político grave com as acusações contra seu principal ministro, Antonio Palocci, e em seguida teve que lidar com uma série de denúncias de corrupção que se espalharam pela Esplanada dos Ministérios.

Diante da realidade, especialmente no que se refere à corrupção, Dilma agiu como lhe recomendavam os sentimentos próprios e os anseios da sociedade, definidas em pesquisas de opinião regulares.

Como não é política tradicional, está se aproveitando desse fato para angariar prestígio entre os cidadãos que se cansaram da atividade política da maneira como se pratica no país.

Mas, se de um lado consegue ser mais popular que seu governo, mesmo fenômeno que aconteceu com Lula, mas por razões distintas, a presidente Dilma perde apoio no meio político, que já não vê nela uma "expectativa de poder" futuro.

Lula era mais popular que seu governo porque se exibia permanentemente ao grande público, carregando nas costas os ministros e os programas de governo.

Todas as coisas boas que aconteciam eram sua "culpa", e as ruins eram culpa dos outros, ou da "herança maldita que recebera dos tucanos".

Dilma é mais bem avaliada que seu governo porque deixa transparecer a fraqueza de seu ministério e a inoperância das ações de administração, mas se destaca como a combatente contra a corrupção.

Lula é um mestre na manipulação política, e está conseguindo manter-se em evidência mesmo fora do poder.

Na sua obsessão por não perder a primazia, Lula faz o que sabe mais, transmitir uma expectativa de poder futuro. Os partidos aliados, incomodados com a maneira Dilma de governar, sonham com a volta de Lula, ou se preparam para desembarcar do que consideram uma canoa furada, isso mal começado o novo governo.

Como Plano B, a candidatura oposicionista do senador Aécio Neves ganha realce nos bastidores, para o caso de Lula não se dispor a disputar a eleição de 2014 - o que é improvável, dado o apetite pelo poder que ele vem demonstrando, sem se incomodar muitas vezes em criar embaraços para a presidente em exercício.

Mesmo negando que pretenda se candidatar novamente em 2014, Lula no momento é a maior aposta petista para continuar no governo.

Também na oposição o que mais se persegue é a tal da expectativa de poder, e nas conversas de bastidores o tucano Aécio Neves vai armando uma rede de potenciais apoios que conta com o PSB do governador Eduardo Campos e com alas importantes do PMDB.

Em ambos os casos, e para muitos outros pequenos partidos que fazem parte da base aliada do governo, a convivência com o PT tem sido bastante difícil, e não tendo Lula para garantir uma isonomia no tratamento, a disputa por espaço se torna especialmente delicada.

Paradoxalmente também a possibilidade de um retorno de Lula em 2014 é uma preocupação de todos os partidos aliados do governo que têm projetos políticos de mais longo prazo, como o PSB, e mesmo o PMDB, que volta e meia anuncia que pode ter Michel Temer como candidato próprio ao governo na sucessão de Dilma.

A busca de um futuro sem o PT certamente está provocando pensamentos estratégicos de longo prazo nas forças partidárias hoje na base aliada.

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