O GLOBO - 28/08/11
Mesmo que não tenha nenhuma segunda intenção - e tudo indica que tenha - a proposta do deputado petista Henrique Fontana (RS) para a reforma eleitoral parece ser, no mínimo, uma tentativa de agradar às várias correntes em que o tema divide o Congresso, tornando mais distorcido ainda nosso sistema eleitoral.
A ideia de fazer uma eleição proporcional tanto em lista fechada quanto em aberta, metade dos representantes para cada modalidade, mantém os vícios tão criticados do sistema atual e não produz nenhum avanço da cidadania.
Ao contrário, colocará na Câmara dos Deputados, nas assembleias legislativas e nas câmaras de vereadores dois tipos de representantes: os escolhidos diretamente pelo povo, e os outros, escolhidos pelas direções partidárias.
Os políticos que temem a ditadura dos partidos novamente sacarão um argumento poderoso, que inviabilizou a aprovação do voto em lista fechada: a de que o eleitor não terá o direito de escolher diretamente parte de seus representantes.
A oposição à lista fechada, que é a preferência dos dois maiores partidos, o PT e o PMDB, deve-se principalmente ao perigo da institucionalização da ditadura partidária, em que as direções dominariam seus filiados pelo poder que teriam de montar a lista de candidaturas de acordo com seus critérios, e os eleitos deveriam seus mandatos aos que controlam o partido.
Na prática, isso já existe hoje, embora sempre seja possível um candidato bom de voto se impor diante da direção partidária.
Na teoria, os defensores da lista fechada consideram que o sistema fortalece o partido político e reduz o individualismo que hoje predomina nas relações partidárias e mesmo na atuação nos plenários.
Essa deveria ser uma discussão bastante ampla para resultar em algum consenso, mas, da maneira como o assunto vem sendo tratado em Brasília, se alguma solução for aprovada será sem acordo entre os parlamentares, a maioria afastada das discussões.
Existe a comissão que trata da reforma política e vários fóruns informais em que o assunto está sendo discutido, mas diversos partidos não têm representantes em nenhum dos grupos.
Uma reforma no sistema eleitoral à guisa de reforma política está sendo gestada nos bastidores do Congresso, e PT e PMDB voltam a defender o voto em lista fechada, o que daria às direções partidárias o poder de escolher quais seriam os candidatos, e em que lugar eles apareceriam na lista oficial.
Como houve uma grande reação na primeira vez em que o assunto foi lançado à discussão, chegaram a essa fórmula esdrúxula de duas formas de voto proporcional, mais uma jabuticaba política, assim como já houve propostas de fazer um "distritão" misto, que seria um jeitinho brasileiro de fazer o voto distrital misto sem o problema de dividir o país em distritos.
A adoção do voto distrital, puro ou misto, parece ser a melhor tentativa para baratear o custo das campanhas eleitorais e dar maior controle dos eleitos aos eleitores.
A discussão não vai muito longe porque esbarra na impossibilidade de se chegar a uma definição sobre o melhor critério de se dividir o país.
O que dificulta a aprovação de sistemas eleitorais que adotem a divisão dos estados em distritos é o desequilíbrio na representação popular, com um distrito de 800 mil eleitores em São Paulo e outro de oito mil no Amapá.
O eleitor dos grandes centros ficaria em desvantagem, seu voto valendo menos do que o do eleitor de um pequeno estado.
Tendo em vista a excessiva fragmentação do pluripartidarismo brasileiro, há também o risco de a definição da vontade das maiorias ser uma tarefa complexa e polêmica.
Com 21 partidos disputando a eleição em um distrito para uma vaga, dificilmente o eleito no distrito representará a maioria, a não ser que a definição seja feita em um segundo turno, o que complica ainda mais a eleição.
A proposta que está sendo apresentada pelo relator petista Henrique Fontana tem outra incongruência: ela mantém o financiamento privado das campanhas eleitorais, embora institua também o financiamento público.
Na origem da defesa do voto em lista fechada, um dos argumentos mais fortes era o de que somente esse tipo de sistema eleitoral permitiria o financiamento público de campanha, que seria dado ao partido responsável pela lista.
Seus defensores chegaram a dizer que o verdadeiro objetivo da proposta era moralizar as campanhas eleitorais, reduzindo a corrupção e suas consequências nos desmandos dos governos.
O voto distrital, e até mesmo o "distritão" (onde os estados viram distritos e a eleição torna-se majoritária, com a eleição dos mais votados), no entanto, teriam as mesmas vantagens de reduzir ao âmbito do distrito as campanhas, reduzindo seus custos ou dificultando exteriorizações de riqueza de candidatos.
Com a apresentação da proposta de uma espécie de financiamento misto entre público e privado, a solução para a questão do caixa dois eleitoral fica mais longe ainda, e a defesa do voto em lista fechada perde um de seus melhores argumentos.
A proposta do deputado Henrique Fontana tenta alterar as regras eleitorais por maioria simples, utilizando a legislação ordinária e não mudanças constitucionais.
O fim das coligações, no entanto, só poderia acontecer por mudança na Constituição, logo esse ponto, um dos mais importantes para evitar a distorção do voto proporcional, onde o eleitor vota em um candidato e ajuda a eleger outros, de outras legendas que nada têm a ver com a sua intenção inicial.
Há também proposta de permitir a formação de "federações" de partidos, o que na prática seria uma maneira de permitir que partidos menores se coliguem com os grandes puxadores de votos.
Entrevista:O Estado inteligente
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