O Estado de S. Paulo - 05/08/2011
Os países que disputam a primazia de realizar uma Copa do Mundo o fazem na esperança de projetar uma boa imagem. A escolha do Brasil para sediar o evento significa uma grande oportunidade. É como se fosse um pênalti, representa uma grande chance de marcar o gol. Às vezes, entretanto, perde-se um pênalti.
O britânico Simon Anholt, criador da ideia de marca de países, algo que ele mesmo considera sujeito a todo tipo de picaretagem, advertiu, em entrevista à BBC, que o Brasil pode prometer, e muito, e por causa disso decepcionar na Copa.
A festa do sorteio das chaves foi uma bola fora. Estive no Largo do Machado, onde se concentraram os manifestantes que pedem transparência na Copa. Impossível não reconhecer a justeza do pedido. A festa foi um modelo de opacidade autoritária. Ninguém foi consultado sobre o investimento de R$ 30 milhões pagos por cariocas e fluminenses, uma vez que o Estado e cidade do Rio dividiram os custos. A avaliação do prefeito Eduardo Paes é de que os gastos compensam por divulgarem a imagem do Rio em todo o planeta. Como explicar que a iniciativa privada não se tenha interessado por ela, se tinha tão grande poder de divulgação? Por que Panasonic, Nike, Coca-Cola não se apresentaram para dividir custos?
A ideia de que o mundo estaria de olho no Rio é falsa. O mundo interessa-se é pelo sorteio das chaves. Mas, como na loteria, o que importa é o resultado, não o ato de sortear. Há inúmeras possibilidades de recuperar a informação ao longo do dia. Hoje muita gente no planeta sabe que França e Espanha estão na mesma chave e desconhece, por exemplo, que Ivete Sangalo mora num país tropical, abençoado por Deus, etc.
O fechamento do Aeroporto Santos Dumont por quatro horas também não resultou de nenhuma consulta. Reconheço que as autoridades acham que isso é para o nosso bem. Acreditam que a Copa trará melhorias para todos, logo, todos podem sacrificar-se um pouco por ela. O problema da visão autoritária é este: ela decide por nós. Milhões são destinados ao Maracanã, às construção do Itaquera, à festa do sorteio. O que fazer com a parte considerável da população que gostaria de ver o dinheiro empregado na solução de problemas reais?
A maneira como o prefeito Eduardo Paes justificou a festa na Marina da Glória, área que está em poder do bilionário Eike Batista, também não reflete a opinião de todos. Ele quer que o Rio seja a cidade da Copa. Acontece que a ideia geral é que o Brasil será o país da Copa, utilizando várias cidades para hospedá-la. Por que gastar dinheiro para substituir o País e ofuscar as outras?
Os milhões foram gastos numa festa que dava exclusividade à TV Globo, tanto que outras emissoras tiveram a credencial negada. Se os contribuintes fossem ouvidos, certamente condenariam essa cláusula do contrato. Num evento pago pela iniciativa privada, ninguém questionaria a exclusividade. Mas os patrocinadores eram públicos e deveriam tratar os meios de comunicação em pé de igualdade.
Dizem que a presidente Dilma ficou irritada com isso. O que significa, no jargão jornalístico, que ela quer distanciar-se da decisão. Toda vez que o governo faz algo errado e é preciso salvar a reputação do presidente, alguém divulga que ficou muito irritado.
Os patrocinadores, apesar de não nos terem consultado, foram Sérgio Cabral e Eduardo Paes, ambos aliados de Dilma. Por que não chamá-los a um canto e perguntar: que história é essa? Na Copa, a presidente não é apenas uma convidada. É a anfitriã.
Os manifestantes na rua pediam a queda de Ricardo Teixeira, presidente da CBF. Dilma procurou distanciar-se dele, convidando Pelé e se apoiando nele, para evitar incômodas associações.
Eis outra armadilha da Copa. O futebol, com sua magia, tende a atenuar as mágoas provocadas pela corrupção. Mas pode também agravá-las, tanto no caso da Fifa como no do governo.
Pelo menos cinco dos Ministérios de Dilma estão sob suspeita de corrupção. Aparecem denúncias quase todos os dias e no fim de semana ficam mais robustas, nas revistas e edições dominicais.
Por seu turno, os aliados Sérgio Cabral e Eduardo Paes acham que a amizade com a Globo os autoriza a tomar decisões sem consulta ou mesmo a desprezar outros meios de comunicação. Não compreendem que a Globo é uma instituição. Se a opinião pública condenar os erros de condução na Copa, a própria emissora vai lançá-los ao mar. E não serão os primeiros que ela lança ao mar, na História recente do Brasil.
O próprio inventor da marca de um país e do ranking das marcas, Simon Anholt, na entrevista à BBC, revela que esteve no México prestando assessoria ao governo e que a imagem do país não foi tratada de forma superficial, mas dentro de uma perspectiva de solução de problemas reais e crescimento do turismo. A ideia subjacente é a de tirar proveito da marca, e não ser enganado por quimeras provincianas.
Dilma-Cabral-Paes são experientes o bastante para saber que os jornalistas estrangeiros não se contentam com as notícias oficiais nem com a representação estética da Globo. Eles vão examinar aeroportos, viajar pelas estradas, conversar com o ministro do Turismo. Esse, então, será um momento sublime.
Depois do encontro com o ministro Pedro Novais, vão se interrogar se o Brasil está gastando dinheiro só pelo amor ao futebol ou tem algum plano sério de recuperá-lo na frente. Vão acabar no Maranhão, também abençoado por Deus, bonito por natureza e governado pela família Sarney. Essa previsão é uma decorrência natural de quem acompanha o trabalho da imprensa. Foi assim na África do Sul e será assim em todos os países que sediarem a Copa.
Com esse mergulho no Brasil real, os jornalistas talvez não tenham o bom humor do prefeito do Rio, que, ao receber uma medalha da Fifa, olhou para ela e disse a Joseph Blatter: você sabe que vou derretê-la, não?
Blatter ganhou uma chave do Rio. Foi mais discreto. Disse que ia mantê-la, embora não seja estranha à Fifa a arte de derreter.
Entrevista:O Estado inteligente
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