Entrevista:O Estado inteligente

domingo, julho 11, 2010

MERVAL PEREIRA Reforma partidária


O GLOBO - 11/07/10

O anúncio de que o Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral (MCCE) volta a se mobilizar para enviar ao Congresso um novo projeto, desta vez sobre a reforma política, é um sinal de vitalidade da sociedade, mas precisa ser visto com cuidado

Formado por diversas Organizações Não Governamentais (ONGs) que se mobilizaram para colher assinaturas para o projeto de ação popular que desaguou na lei da Ficha Limpa, o MCCE agora quer defender a adoção do financiamento público de campanha e o voto em lista fechada como maneira de mudar a política partidária brasileira.

A iniciativa tem o condão de desatar um nó que é impossível de ser desatado pela classe política que, eleita pelo sistema atual, não tem nenhum interesse em mudar as regras que afinal lhe foram favoráveis.

A tese da Constituinte exclusiva para tratar do assunto já me pareceu uma boa solução, pois o Congresso eleito com essa finalidade poderia tratar da principal reforma sem interesses imediatos.

Mas infelizmente esse instrumento, assim como as consultas populares, foi distorcido pelos governos de tendências ditatoriais da região, e acabou virando uma arma para os que querem usar métodos democráticos para anular a democracia.

A candidata do PT Dilma Rousseff passou a defender a tese da Constituinte exclusiva por orientação do PT, o que pode significar a tentativa de uma escalada autoritária de um eventual governo petista.

Sendo assim, uma ação popular que deságue no Congresso à base de milhões de apoios, assim como aconteceu no caso da Ficha Limpa, pode dar início a um debate sem fins ideológicos, com o objetivo apenas de finalmente fazermos uma reforma política que nos dê partidos reformulados e reforçados em sua estrutura.

Chegamos a tal ponto de distorção em nosso quadro partidário e no nosso sistema político que o mais importante neste momento é fortalecer os partidos, mas dentro de uma reforma que democratize suas estruturas e suas decisões.

Certa vez escrevi aqui na coluna que “já não importa mais saber se o melhor sistema é o distrital ou o proporcional, se o voto em lista pode melhorar a representação partidária, ou se colocará os partidos mais ainda nas mãos dos dirigentes e longe do eleitor”.

“Se não for feita uma limpeza no próprio sistema partidário, com uma reorganização que permita a formação de novas correntes políticas dentro de novos partidos, não será possível aprovar uma reforma política que faça a democracia brasileira avançar”.

O projeto da Ficha Limpa é um primeiro passo para depurar a vida partidária, mesmo que neste primeiro momento algum peixe grande escape da rede.

Mas ela será cada vez mais abrangente, à medida que a Justiça Eleitoral for regulamentando sua aplicação.

Caberá ao próximo presidente da República dar partida a essa renovação de ares, com o novo Congresso mais depurado pelas urnas e pela nova legislação.

Por isso, a iniciativa de discutir uma reforma do sistema eleitoral deveria ser precedida dessa reorganização partidária.

É uma distorção de nosso q u a d ro p a r t i d á r i o , p o r exemplo, o fato muito enaltecido pelo presidente Lula de que todos os candidatos à sua sucessão são considerados “de esquerda”.

Não existe nenhum país que tenha um sistema partidário democrático que não tenha um partido liberal, de direita, que represente essa parcela do eleitorado.

No atual quadro partidário, temos vários partidos que se dizem “de centro”, mas nunca “de direita”, a começar pelo Democratas, o maior deles.

Mas o Democratas tem o mesmo dilema do PMDB, são partidos que optaram por serem coadjuvantes de PT e PSDB, que têm “vocação presidencial”.

Dando os vices de seus parceiros, Democratas e PMDB continuam com a opção de não apresentarem candidatos próprios à presidência da República, mesmo para perder.

O último candidato próprio do PFL foi Aureliano Chaves, em 1989. E o PMDB “cristianizou” primeiro Ulysses Guimarães, depois Orestes Quércia, e nenhum deles passou dos 10% dos votos.

Deixando que questões locais se sobrepusessem às nacionais, os dois partidos demonstravam uma vocação política restrita, assumindo o papel de coadjuvantes.

Esse fato explicaria porque eles não têm uma imagem política nacional, embora dominem a política regional, principalmente o PMDB, que elegeu as maiores bancadas da Câmara e do Senado e tem o maior número de prefeitos e vereadores.

O Democratas sofreu um baque, caindo de 85 para 56 deputados federais, mas mantém uma bancada importante no Senado, que poderá, no entanto, ser reduzida nas próximas eleições.

Perdeu muitas prefeituras nos últimos anos também.

Enquanto o DEM tenta se recuperar politicamente e joga tudo na vitória de José Serra à presidência, tendo por isso forçado politicamente indicar seu vice, o PMDB se prepara para assumir um papel de protagonista num eventual governo Dilma Rousseff.

O episódio do programa registrado no TSE é emblemático dessa nova posição que o PMDB reivindica.

Quando a vitória da candidata oficial parecia mais fácil, o PMDB ficou em posição desvantajosa na coligação e em várias oportunidades o PT tentou puxar-lhe o tapete.

Com a definição do empate técnico entre os candidatos, o poder de barganha do PMDB cresceu a ponto de ele ter conseguido vetar o registro do programa petista, considerado muito radical e não representativo do governo de coalizão em que o PMDB pretende ter o mesmo peso político que o PT.

Dependendo do resultado das urnas, esses movimentos políticos tendem a facilitar uma rearrumação do quadro partidário no próximo Congresso.

Mas caberá ao futuro presidente a liderança para que a reforma permita uma organização mais harmoniosa das forças políticas, retirando da política brasileira essa carga fisiológica e pragmática que enfraquece o Congresso.

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