A rota que leva ao clube dos anistiados
É tão curto quanto sinuoso o caminho que deve percorrer um interessado na carteirinha de sócio do clube dos anistiados com direito a compensações financeiras. Em tese, basta remeter à Comissão de Anistia uma carta afirmando que merece ser reparado por perseguições sofridas durante o regime militar, anexar os documentos necessários, especificar a profissão que exercia ao ser injustamente castigado, detalhar as funções que desempenhava e apresentar justificativas convincentes. As sinuosidades ficam por conta dos critérios confusos e subjetivos que orientam as deliberações do grupo de 24 conselheiros.
Cabe a esse tribunal decidir se a reivindicação é legítima e, se for, fixar o valor das pensões mensais e da indenização. Para entrar na folha de pagamentos da Comissão, não é necessário ter sido preso ou torturado por agentes da ditadura, nem ter laços de parentesco com ativistas que morreram na cadeia ou em operações de captura. Mortos, desaparecidos e sobreviventes de sevícias, de acordo com as peculiaridades da lei 10.559 de 2002, vêm depois de gente que perdeu o emprego.
"O sistema de reparação brasileiro não se baseia nas perseguições vividas pelo cidadão, mas em um dado objetivo: se houve ou não a perda do emprego durante a ditadura", confirma Paulo Abrão, presidente da Comissão de Anistia. Se não foi afastado do trabalho, o perseguido tem direito a uma indenização máxima de R$ 100 mil. Elas representam 4,8% do total de demandas atendidas pela Comissão, informa Marinus Marsico, procurador do Ministério Público junto ao Tribunal de Contas da União (TCU).
Para os anistiados que perderam o emprego ─ categoria contemplada por 95,2% das reparações ─ não há limites pré-estabelecidos. Quem foi impedido de trabalhar por conta de atividades políticas tem direito a uma indenização muito maior. Até 2007, os cálculos se baseavam na suposição de que um profissional castigado pelo desemprego forçado chegaria ao topo da carreira ─ e, por consequência, ganharia o salário mais elevado. Hoje as pensões mensais são determinadas pela média salarial da categoria.
Estabelecido esse valor, cálculos ainda mais complicados fixam o tamanho da indenização que o anistiado deve receber. Como a conta é invariavelmente alta, o pagamento é dividido em parcelas. Os critérios e métodos adotados por outros países são bem mais singelos ─ e claros. Na Argentina, por exemplo, os perseguidos por uma das mais brutais ditaduras da história sul-americana recebem do Estado US$ 75 por dia de prisão. Mas nada no Brasil é simples, sobretudo quando envolve dinheiro público.
(Na próxima semana: conheça quem são os anistiados contemplados com as 10 maiores indenizações)