O ESTADO DE SÃO PAULO - 31/07/10
"Quando a realidade econômica muda, minha convicção acadêmica também muda." (John M. Keynes, 1883-1946)
A frase acima foi proferida por Keynes, considerado o mais brilhante economista do século 20, quando um interlocutor lhe questionou por que havia mudado de opinião a respeito de uma avaliação da economia e das medidas a serem adotadas. De fato, ao contrário das outras ciências nas quais fenômenos repetidos levam a uma mesma resposta, a Economia tem no seu bojo um grande grau de incerteza. Mesmo porque a realidade depende das reações das pessoas.
O episódio descrito ilustra o momento da economia brasileira. Na quinta-feira o Comitê de Política Monetária (Copom) divulgou a ata da reunião realizada na semana passada, em que decidiu por um aumento de 0,5 ponto porcentual (p.p.), elevando a Selic, a taxa básica de juros, para 10,75% ao ano.
Muitos questionaram a decisão e a divulgação da ata alimentou a discussão, visto que a maioria dos agentes do mercado financeiro esperava uma elevação de 0,75 p.p. Mais ainda, questionou-se a avaliação da situação da economia brasileira expressa na ata, que aponta menores riscos de um excesso de aquecimento da economia e menores riscos de aumento da inflação.
Menos mal que o Copom tenha mudado de opinião. Na verdade, para quem acompanha, como eu, por dever de ofício, o desenvolvimento da economia real não houve surpresa com o menor aumento, mesmo porque talvez nem fosse necessária elevação nenhuma na taxa de juros.
Como apontei em artigo anterior neste espaço (O mito do superaquecimento, 27/5), quando o Banco Central (BC) iniciou o processo de alta das taxas básicas de juros, o ritmo de crescimento da economia já era bastante inferior ao que apontavam os indicadores passados. O fim dos estímulos de redução de impostos em bens duráveis, assim como uma tendência ao esgotamento da ampliação do endividamento dos consumidores, por si sós já representavam importantes amortecedores do que aparentemente se mostrava como um crescimento muito elevado do consumo.
Vale ainda ressaltar que as comparações com o ano anterior tornavam os dados um tanto ilusórios, apontando um crescimento que, na verdade, decorria muito mais do efeito estatístico devido à base de comparação baixa, fortemente afetada pelos impactos da crise, principalmente no primeiro trimestre de 2009. Isso também apontava para um menor risco de pressão inflacionária de demanda. Houve uma elevação de inflação episódica no início do ano, mas decorrente de preços de alimentos e de serviços. Portanto, nada que exigisse uma elevação dos juros para desestimular a demanda e, com isso, reduzir o ímpeto inflacionário.
Apesar desses aspectos, o BC brasileiro já elevou em 2 p.p. a Selic, de 8,75% para 10,75% ao ano. Ao ampliar a diferença entre as taxas de juros domésticas e as internacionais, isso aumenta o espaço para arbitragem envolvendo a taxa de câmbio, o que traz enormes consequências negativas para a estrutura produtiva e de comércio exterior do País.
Juros mais altos também representam encarecimento expressivo do custo de financiamento da dívida pública. Dois pontos a mais na taxa básica representam um acréscimo de cerca de R$ 20 bilhões ao ano no custo da dívida.
Outro efeito importante que, ao encarecer o crédito e o financiamento, muitas vezes mais do que refrear o consumo, acaba desestimulando o investimento produtivo - mesmo porque se torna muito mais rentável, no curto prazo, aplicar no mercado financeiro do que investir na produção.
Não precisamos de juros ainda mais elevados, e o melhor a fazer seria interromper imediatamente a sua trajetória de elevação. Isso não vai remover os impactos já causados, mas vai evitar o agravamento das distorções decorrentes. Estarmos no topo do ranking dos países que praticam os maiores juros reais do planeta não faz parte de nossas ambições!
*ANTÔNIO CORRÊA DE LACERDA É ECONOMISTA, PROFESSOR DOUTOR DO DEPARTAMENTO DE ECONOMIA DA PUC-SP.
Entrevista:O Estado inteligente
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