EDITORIAL - O GLOBO
17/07/10
A crise na Força Sindical devido a um conflito entre tucanos e petistas é apenas a ponta visível de algo maior, o envolvimento de sindicatos no processo eleitoral de uma forma jamais vista desde a redemocratização, em 1985. A briga na Força se trava em torno da decisão do presidente interino da central, Miguel Torres, de assinar um documento de apoio à candidata Dilma Rousseff, sem consultar as bases. Como há nelas correntes tucanas, deu-se a confusão.
Isso acontece porque, em quase oito anos de governo, Lula conseguiu, com extrema competência — devidamente azeitada com recursos públicos —, cooptar a Força Sindical, aproximá-la da CUT — algo improvável há alguns anos — e, com outros agrupamentos sindicais, formar uma extensa frente para apoiá-lo.
No primeiro mandato, dentro da ideia de constituir fóruns multiclassistas para tecer propostas consensuadas e levá-las como prato feito ao Congresso, Lula colocou representantes dos empregados e patrões frente a frente para chegarem a um projeto de reforma sindical e trabalhista. Pouco ou nada se avançou, até porque o governo tinha a palavra final e, quando havia divergência, sempre ficava do lado dos sindicatos dos trabalhadores. Era clara sua opção preferencial.
No loteamento do governo, o Ministério do Trabalho foi doado aos sindicatos. Porém, o gesto mais substantivo para sedimentar a cooptação das entidades foi o reconhecimento das centrais por parte do Estado, para que elas pudessem entrar na repartição do dinheiro fácil do imposto sindical, e sem precisar prestar contas sobre o destino dos recursos.
Um presentaço. No mês passado, estimava-se que CUT e Força Sindical já haviam recebido, em 2010, R$ 50 milhões por conta do novo status. Não espanta que haja relatos de desvios deste dinheiro para financiar mordomias de dirigentes, nem que tenha ganhado força uma indústria de criação de sindicatos, montada para disputar o acesso aos cerca de R$ 2 bilhões anuais retirados compulsoriamente do contracheque dos assalariados.
Lula, desde que surgiu no cenário político, no final da década de 70/início da de 80, até hoje mudou em 180 graus. Ele e, depois, PT e CUT, dos quais foi fundador, nasceram com propostas de sepultar o aparato getulista: acabar com a subordinação dos sindicatos ao Estado e desmontar a CLT. Defendiam, ainda, o fim do imposto sindical e do monopólio cartorial de cada sindicato sobre sua região de atuação.
Foi tudo esquecido. As centrais — CUT à frente, a maior de todas — marcharam alegremente para os braços do Estado, foram se aconchegar no Tesouro e se sentar na mesa do banquete eterno do imposto sindical.
A CLT passou a ser defendida como “conquista do trabalhador” — embora o custo e rigidez dessa legislação mantenham metade do mercado de trabalho na informalidade.
Neopelega é termo justo e adequado para designar a atual liderança sindical. Renasce em cada uma delas a figura daqueles senhores que, à frente de sindicatos, tinham trânsito fácil no Palácio do Catete, sem esquecer, como hoje, a chave dos cofres públicos. Parece uma grande conspiração irônica da História contra a biografia política de Lula.
Retiraram do armário o figurino do pelego getulista
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