O GLOBO
A democracia se encolhe quando em época de campanha os candidatos acham que têm mais a ganhar não falando. De que forma conhecê-los melhor senão através de debates, entrevistas? Dilma Rousseff tem usado a estratégia de fugir de qualquer ambiente que não controle, com pequenas experiências fora desse padrão. Agora, José Serra começou também a se negar a ir a debate. Que eleições teremos?
O debate na internet seria muito bom, se tivesse sido. Um deles, de alguns dos portais, estava marcado para a última segunda-feira e não aconteceu. Novas mídias, formato a ser ainda experimentado pelos jornalistas com mais liberdade e interatividade. Dilma fugiu. Serra fugiu em seguida alegando que Dilma fugiu. Erraram os dois. Antes, só Dilma estava dizendo não a tudo o que ela e sua assessoria entendiam que pudesse trazer algum risco. É um espanto que quem pensa em governar o Brasil tenha medo de uma entrevista ou um debate. Terão medo dos seus próprios pensamentos? De serem traídos por suas palavras? De revelarem o que realmente pensam e, assim, fugirem ao personagem inventado pelo marketing? A negativa é suspeita em si.
Quando um candidato está muito na frente, ele costuma evitar riscos. Mas no caso, os dois estão se alternando no primeiro lugar. O jogo ainda está sendo jogado. Serra estava indo a entrevistas e se expondo, mas no último debate decidiu errar junto com sua adversária. Toda entrevista é uma oportunidade de expor o pensamento. Isso só pode ajudar o eleitor e o próprio candidato. Todo debate é uma salutar forma de confrontar ideias e estilos. Serra vinha criticando Dilma por fugir de entrevistas e debates, mas agora o que tem a dizer? Dilma revela com sua fuga que tem medo de sua falta de experiência em situações de stress normais em campanhas eleitorais. E Serra? Ele costuma dizer que já fez nove campanhas eleitorais.
Desde 1998 tenho entrevistado, na Globonews, os candidatos a presidente. Em algumas dessas eleições houve até duas rodadas de entrevistas. Só uma vez, na primeira rodada de 2002, por volta de abril, ocorreu uma recusa: a de Anthony Garotinho. Na segunda vez ele foi. Todas as entrevistas, com todos os candidatos, foram esclarecedoras. Jornalista em época de eleição deve fazer perguntas sobre os pontos fracos, não esclarecidos, contradições dos candidatos. Por que seria diferente? Para questões que levantem a bola existe o horário eleitoral. O contraponto são as entrevistas e debates. Que credibilidade pode ter uma entrevista de Dilma Rousseff a uma TV do governo? Mas a essa, com tudo sob seu controle, a candidata compareceu. Na campanha deste ano, a Globonews convidou os três candidatos mais competitivos para serem entrevistados por mim. Os representantes de Dilma Rousseff foram para as reuniões preparatórias, mas ela não quis comparecer. Marina Silva e José Serra deram respostas esclarecedoras sobre vários pontos que levantei. Escrevi sobre as entrevistas nesse espaço de coluna. O trabalho ficou incompleto porque não pude perguntar nem escrever sobre o pensamento de Dilma Rousseff. Fiquei com a sensação de que ela acha que tinha mais a ganhar não sendo entrevistada do que sendo. O que é esquisito, para dizer o mínimo.
Se a recusa tivesse sido só para um programa poderia ter sido apenas uma escolha num conflito com outras atividades de campanha, ou outra qualquer questão subjetiva que se deve respeitar. Mas Dilma recusou também a ida à sabatina da "Folha de S.Paulo". Pior: tinha já previsto e marcado a ida, quando decidiu cancelar. Espantoso. Aos jornalistas, cabe apenas fazer perguntas, por mais difíceis que sejam são apenas perguntas. O candidato tem todo o tempo, e a chance, das respostas. O que Dilma Rousseff revelou, fugindo da sabatina tradicional da "Folha", sempre tão bem feita, tão esclarecedora, é que tem medo não das perguntas, mas de suas respostas.
Essas fugas iniciais não foram boas, mas ainda há vários outros eventos jornalísticos programados e sempre haverá tempo para o confronto das ideias, programas, projetos e estilos. Tomara que novas fugas não aconteçam. Ainda há chance de corrigir esse perigoso desvio das eleições de 2010. No Rio, o candidato que está na liderança nas intenções de votos para o governo, o atual governador Sérgio Cabral disse que mudou de ideia e vai comparecer aos debates. Ótimo. Os candidatos precisam falar e se expor aos diversos tipos de pressão, porque é assim a democracia. Essa campanha já tem uma enorme distorção provocada pela presença abusiva do presidente da República, em campanha aberta, usando toda a força da máquina, todos os eventos de governo, alterando cronogramas de eventos até de estatais como a Petrobras só para construir vitrines para sua candidata. Lula fala por ela. Isso desequilibra a disputa, não por ele ser algum super-homem, mas porque ele está no supercargo. Isso distorce o ritual da escolha que o eleitor precisa fazer serenamente e com o conhecimento sobre os candidatos em si.
Se a campanha for assim, com candidatos fugindo ao debate, a candidata governista tutelada pelo presidente da República, a máquina e os recursos públicos sendo usados de forma explícita, teremos um retrocesso político grave, seja qual for o resultado das eleições. Essas atitudes enfraquecem a busca de soluções, oportunidade aberta pelo processo eleitoral. No fim, encolhem a democracia.
Entrevista:O Estado inteligente
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