Entrevista:O Estado inteligente
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domingo, julho 18, 2010
MÍRIAM LEITÃO Pela palavra dada
O GLOBO - 18/07/10
Uma coisa esquisita é o descuido dos candidatos com o programa de governo. Faltava um mês para a eleição de 2006, quando perguntei a Geraldo Alckmin, que concorria à Presidência, qual era o seu programa. Ele respondeu que os textos “começariam” a sair na semana seguinte. O episódio das versões e rubricas da ex-ministra Dilma Rousseff mostra que os candidatos não mudaram.
O que pode estar mudando é a sociedade, a mídia, o eleitor. A obrigação de que haja um registro do programa de governo na Justiça Eleitoral pode parecer um exotismo para quem vê de fora, mas acabará sendo um indutor de uma mudança de comportamento.
A resposta de Alckmin em 2006 me permitiu uma nova pergunta. Quis saber em nome de que ideias ele se lançava candidato; já que faltando quatro semanas para a eleição tudo o que tinha era a promessa que seu programa sairia em capítulos na semana seguinte. Um descuido inaceitável num partido que já tinha governado o Brasil por oito anos.
Desta vez, o candidato José Serra fez um corte e cola de pronunciamentos e a candidata Dilma Rousseff entregou um documento em que vários pontos diziam o oposto do que ela vinha dizendo em entrevistas. A ambiguidade sempre foi uma arma do PT para agradar a vários públicos. Foi assim que em 2002 o então candidato Lula sustentava para seus militantes tradicionais o documento aprovado em Olinda com propostas incendiárias e assinava a “Carta aos Brasileiros” em que prometia exatamente o oposto.
Num texto, a dívida externa e interna seriam revistas, passariam por auditorias e referendos sobre pagamento. No outro, todos os contratos seriam cumpridos. Desta vez não foi diferente, não foi descuido, nem rubrica sem leitura. Foi estratégia. Ir a Nova York e falar em manutenção do que foi conquistado nos últimos 20 anos, num elogio implícito a outras administrações; e aqui a crítica desmemoriada a tudo o que foi conquistado em governos anteriores.
Na Inglaterra, na última eleição, era fácil saber o que propunham os partidos Conservador, Trabalhista e Liberal. Estava no site de cada um. Nos debates eles defenderam ideias que estavam escritas nesses programas.
Quando saiu o resultado das eleições, que não dava maioria a nenhum dos partidos, foi com base nesses programas que os partidos Conservador e Liberal negociaram. Também foram distribuídos cargos estratégicos, ministérios, mas o que seria feito pelo novo governo, em cada área, foi acertado com base nestes documentos partidários. Já no primeiro dia de reunião do gabinete, o primeiro-ministro, David Cameron, anunciou o corte do próprio salário e de todos os membros do gabinete, e o congelamento do salário dos funcionários, como tinha prometido na campanha.
Agora, acaba de sair o primeiro orçamento, exatamente como foi prometido aos eleitores.
Parece simples, mas no Brasil é tudo muito mais nebuloso. Aqui, ao longo da campanha os candidatos vão testando as perguntas que dão mais manchete, ou as saídas supostamente inteligentes para as dúvidas mais frequentes.
Não há compromisso em relação ao que realmente pensam, farão, ou o país precisa.
Desta vez tudo o que se sabe é que todos vão melhorar o sistema tributário, todos vão garantir e ampliar o Bolsa Família, todos vão investir para manter o crescimento, todos respeitarão o meio ambiente, todos são a favor do agronegócio, todos manterão a estabilidade econômica.
O programa radical de Dilma Rousseff — aquele que foi rejeitado em tempo recorde por outro que também foi trocado — foi um raro momento de sinceridade.
Na verdade, nos bolsões radicais do partido a aposta é que agora finalmente o PT colocará suas ideias em prática.
Enquanto isso, o exministro Antonio Palocci garante aos banqueiros que Dilma, com quem teve sérios entreveros no governo, defende as mesmas ideias que ele defendia como ministro.
A estratégia é dar a cada parte do eleitorado o que ele pede, ficar bem com todos, e mais perto do Planalto. O recuo foi dado porque os programas tiveram destaque na imprensa. A versão oficial é que então seria apresentado um programa resultado de uma negociação com o PMDB. Para aceitar essa versão seria necessário acreditar que o PMDB, governista em qualquer governo, está levando a sério a negociação de ideias, princípios e projetos.
No caso do candidato José Serra é espantoso que o programa não estivesse pronto.
Afinal, a oposição tem que saber dizer o que faria ou fará diferente dos atuais governantes.
Um programa alternativo tinha que já estar pronto antes mesmo de se ter um candidato. Além do mais, ele governava o maior estado da Federação e teve experiências administrativas anteriores. Portanto, já deveria saber o que quer fazer ou não. O candidato suspendeu a divulgação do documento na última terça-feira, prometendo rever cada ponto do programa.
A candidata Marina Silva que está em terceiro lugar nas intenções de voto, tem uma identidade mais definida em apenas uma área: a ambiental. Ela tem saciado a curiosidade dos entrevistadores esclarecendo seu ponto de vista sobre outras áreas, mas ainda não disse o suficiente para ser entendida.
Felizmente, no documento que registrou no TSE, fez um longo capítulo detalhado sobre energia, que é um ponto crucial.
Faltando menos de três meses para as eleições ainda é difícil dizer com precisão que conjunto de ideias e propostas cada candidato representa.
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