O Globo - 30/07/2010
Em 2010, pela primeira vez um único produto vai superar a marca de US$ 20 bilhões nas nossas exportações: o minério de ferro. O preço subiu mais de 100% este ano. Com isso, o minério representará 12% de nossa balança comercial. Em mais de 30 anos, será também a primeira vez que as matérias-primas vão superar os manufaturados. Minério de ferro, petróleo e soja são 30% do que exportamos.
A alta do preço vai provocar um salto ornamental.
Do ano passado para este, as exportações de minério de ferro vão sair de US$ 13,2 bilhões para US$ 24 bilhões, segundo estimativas da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB). Uma alta de 81%. No segundo trimestre, o minério dobrou de valor. O terceiro trimestre já começou com novo aumento de 35%. A AEB revisou o superávit da balança comercial de 2010: de US$ 12,2 bilhões para US$ 15,04 bilhões.
A alta tem vários efeitos.
Nem todos bons. O Brasil acaba voltando à primeira metade do século passado quando um produto se agigantou nas contas de comércio.
Naquela época, o café. O aumento no preço é resultado da demanda chinesa.
Em processo acelerado de urbanização, com fortes investimentos em infraestrutura, a China tornouse altamente dependente da importação de minério de ferro porque não tem mineral de boa qualidade. Diante da demanda, as três maiores mineradoras do mundo, Vale, BHP Bilinton e Rio Tinto, impuseram um novo sistema de reajustes às siderúrgicas, que agora acontecem de três em três meses. Até 2009, era uma vez por ano. No mercado, já se fala em reajustes mensais e até em negociações em bolsa, como acontece com outros minerais, como cobre e alumínio.
— A tendência é que o produto seja negociado em bolsa, com a criação de um preço de referência e um prêmio para o minério que tiver maior qualidade, como é o caso do produto de Carajás — explicou o economista da Link Investimentos Leonardo Alves.
O perfil de nossas exportações está mudando, com o aumento da participação dos produtos básicos (vejam no gráfico).
Em 1998, a exportação de matérias-primas representava 25% de tudo que o Brasil vendia; em 2010, a projeção é de que seja 43%.
Já a participação dos manufaturados caiu de 57% para 40%. Dos dez produtos que devem ser os mais vendidos este ano, nove são commodities. Dos 20, 13 são matérias-primas.
E olha que o Ministério do Desenvolvimento considera como produtos manufaturados itens como madeira compensada; suco de laranja não congelado; café solúvel; açúcar refinado: — Só no Brasil esses produtos são considerados manufaturados.
Em qualquer país desenvolvido, seriam produtos básicos ou semimanufaturados.
É um erro que nos acompanha desde o regime militar — explicou José Augusto de Castro, vicepresidente da AEB.
A entidade acha que isso é um problema. Não pelas boas vendas de commodities, mas porque teme a ausência de acordos bilaterais que abram mercado para produtos de maior valor agregado. A AEB alerta que o Brasil não reduziu seus custos de produção e lembra que o volume vendido não aumentou, apenas o preço. Qualquer mudança no instável mercado de commodities e a nossa balança será afetada.
“Registre-se que a elevação de preço não gera emprego, ao contrário de quantidade, principalmente quando se refere a produtos manufaturados”, escreveu a AEB em relatório.
A Abracex (Associação Brasileira de Comércio Exterior) lamenta o foco das exportações em matériasprimas.
Em análise intitulada “Onde está a política industrial?”, o presidente da entidade, Roberto Segatto, lista um longo dever de casa que ainda precisa ser feito: melhoria da infraestrutura aeroportuária e rodoviária; financiamento à micro e pequenas empresas; redução de carga tributária.
É da vocação do Brasil ser grande produtor de commodities, seja metálicas, seja agrícolas. Não é exportação de segunda categoria.
Mas o melhor seria se o país estivesse removendo os gargalos da infraestrutura, incentivando a inovação tecnológica e ampliando a diversidade das exportações.
Entrevista:O Estado inteligente
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