O ministro da Fazenda, Guido Mantega, mais uma vez partiu para a agressividade para sustentar seus pontos de vista num debate público - e, mais uma vez, mostrou mais vocação para o destempero do que para a argumentação. Ao defender a intervenção do Tesouro nos financiamentos do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), tentou desqualificar os críticos dessa política, acusando-os de responsáveis pela hiperinflação e pela crise cambial. "Eles quebrariam o País de novo", disse o ministro numa entrevista ao Estado.
Mais que inútil, o esforço foi contraproducente. Ele não conseguiu justificar a transferência de R$ 180 bilhões do Tesouro para o banco nem os subsídios - por ele estimados entre R$ 5,5 bilhões e R$ 6 bilhões - concedidos com dinheiro do contribuinte a empresários escolhidos pelo governo. Também não respondeu à restrição técnica apontada pelos críticos: segundo eles, a relação promíscua do Tesouro com o BNDES é quase uma reprodução da conta movimento entre o Banco Central e o Banco do Brasil, criada no período militar e extinta na segunda metade dos anos 80. A inflação foi a consequência mais notória dessa relação incestuosa e ele deveria conhecer tal fato.
Segundo o ministro, o dinheiro transferido ao BNDES, numa fase de escassez de crédito, serviu à política antirrecessiva. Fato número um: o primeiro aporte, de R$ 100 bilhões, ocorreu em 2009, mas a maior parte desse dinheiro, R$ 61 bilhões, foi transferida entre o fim de julho e o fim de agosto, quando a recuperação já havia começado. O total foi desembolsado até março deste ano. Fato número dois: o segundo aporte, de R$ 80 bilhões, saiu em 2010, quando a economia crescia aceleradamente e a recessão estava superada. A explicação do ministro confunde fatos e datas da história recentíssima do País.
Outro detalhe omitido em sua exposição: quase um terço dos R$ 100 bilhões - R$ 32,8 bilhões - foi destinado a projetos do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) e a maior parte dessa fatia foi para a Petrobrás, não para empresas privadas em busca de crédito para investir. São dados do próprio BNDES.
Em seu destempero, o ministro omitiu ou distorceu outros fatos. Nenhum de seus antecessores foi responsável, sozinho, pela hiperinflação. Esse desastre resultou de erros acumulados em muitos anos, quando predominavam políticas voluntaristas muito parecidas com as defendidas pelo PT e parcialmente ressuscitadas nesta fase final do atual governo.
O fracasso do Plano Cruzado - iniciativa apoiada até com lágrimas por grandes figuras do petismo - deveu-se principalmente à tentativa de eliminar a inflação por meio de controles de preços e de truques, sem atenção à disciplina monetária e fiscal. Erros desse tipo levaram o País à insolvência, mais de uma vez. Mas a crise de 2002 foi uma reação do mercado à tradicional pregação do calote pelo PT, favorável ao famigerado plebiscito da dívida pública. O economista Guido Mantega, vinculado ao partido, defendia a "renegociação", quando gente escaldada considerava esse termo sinônimo de calote.
Os acertos econômicos nos dois mandatos do presidente Lula foram possibilitados por instrumentos criados em governos anteriores. A política monetária foi reabilitada nos anos 90. A disciplina fiscal só se tornou possível depois da renegociação das dívidas de Estados e municípios. A indústria se tornou mais competitiva a partir da abertura do mercado. A agropecuária brasileira, nessa época, já havia completado 20 anos de modernização tecnológica. Entre os críticos da relação promíscua do Tesouro com o BNDES há pessoas com um respeitável currículo, conhecidas pela participação em ações como a extinção da conta movimento e a modernização das políticas monetária e cambial. O ministro Mantega fez coisas boas por haver usado instrumentos e princípios de política forjados por seus antecessores. Ele mesmo nada criou.
Agora propõe criar incentivos para a poupança de longo prazo e o investimento. Poderia ter feito algo melhor, se houvesse trabalhado com seriedade pela reforma tributária e pelo aumento da eficiência do governo - um mecanismo emperrado e incapaz de realizar metade dos investimentos previstos em seu orçamento.