Aqui na ilha, o problema da corrupção nunca foi muito grave. Os maledicentes, despeitados e invejosos, que não engolem a verdade patente de que Itaparica é a rainha do Recôncavo baiano, tentam tirar-lhe mais esse galardão, alegando que nunca furtaram dinheiro público aqui porque aqui nunca houve dinheiro público para furtar e muito menos privado. Esquecem-se eles até mesmo dos inúmeros períodos faustosos de nossa história, dos quais o mais recente talvez tenha sido o dos petroleiros, no tempo em que produzíamos petróleo.
Os petroleiros eram ricos milionários e me lembro de Zenóbio Merdinha (assim alcunhado por causa de um episódio de infância, que melhor estaria se olvidado, até porque Zenóbio sempre foi um cidadão exemplar) mandando botar luz fluorescente na casa toda, inclusive na fachada, a ponto de ter sido veiculada a notícia de que a Marinha ia usá-la como farol. E muitas mais dessas fases esplendorosas eu poderia enumerar, se não corresse o risco de abusar do leitor.
Bem verdade que terra nenhuma, nem mesmo Itaparica, é perfeita, de forma que, embora envoltos nas névoas falazes do passado, contam-se lá e cá alguns episódios dos quais somente os mais antigos se recordam. No tempo em que meu avô ainda era coronel atuante e organizava impecavelmente as eleições, a ponto de só saírem votos para os candidatos dele, numa perfeição de planejamento, houve boataria em torno do finado Nonato Pururuca.
Segundo se comentou, ele teria se envolvido num caso de estelionato, mas me garantiu Ary de Maninha que foi tudo um deplorável mal-entendido. Nonato era casado com Stela da Bica, matrimônio felicíssimo, mas de vez em quando sujeito a brigas que todos comentavam, inclusive certos ignorantes do Mercado. Assim, não houve um caso de estelionato — atenção, para que não se continue a encampar uma calúnia —, mas um caso entre Stela e Nonato, o que é muito diferente e dar umas paneladas no marido, de vez em quando, faz parte. Esse pessoal ouve o galo cantar sem saber onde e aí sai espalhando aleivosias contra quem já não está em condição de defender-se.
Atualmente não se pode afirmar que nos encontramos numa dessas fases áureas. Os efeitos da crise foram sentidos e, apesar de Jacob Branco, em análise econômica feita num inspirado discurso pronunciado no Largo da Quitanda, ter asseverado que, se, no resto do mundo, a crise fora uma bufa medonha, na ilha havia sido um punzinho social, desses que se esgueiram para o ar livre sem que os demais presentes notem.
Mesmo assim, ponderou Jacob, até as vendas de jornal caíram sensivelmente, despencando de onze exemplares para três por dia. Isso, porém, não teve repercussão alguma nos nossos níveis de corrupção, que permanecem próximos do zero.
Mas é claro que não existe unanimidade quanto a nada nesta vida, o que pude mais uma vez constatar no bar de Espanha, onde Zecamunista terminava uma palestra sobre como o presidente Zelaya tinha realizado o sonho da casa própria às nossas custas.
— Vocês sabem o que quer dizer Honduras, onde o Brasil é superpotência? A palavra honduras, em espanhol, vocês sabem o que significa? — concluiu ele dramaticamente, com um murro no balcão que fez Espanha segurar as garrafas. — Significa funduras! É isso mesmo, funduras! Só quem fala em Honduras somos nós, ninguém mais sabe onde é! Boa imagem, o Brasil nas funduras! — Que é isso, Zeca, também não é assim.
— Não. É pior. Você viu na televisão os caras em Brasília metendo a mão em dinheiro de suborno? — Vi. Pegaram os caras direitinho.
— Pegaram os trouxas como você. E no fim vão prender o balconista que vendeu a um deles a cueca de levar dinheiro.
Chega de enganar o proletariado, todo mundo sabe que não vão prender nenhum desses criminosos! Aliás, minto. Criminosos, não, supostos criminosos, alegadamente criminosos, suspeitos. Senão, quem acaba preso sou eu, eles roubam e ainda prendem quem reclamar.
— Não, Zeca, desta vez eu acho que eles realmente não têm para onde correr.
— Oropa, França e Bahia, tudo isso é lugar para onde eles podem correr, com a grana que já enfiaram no subilatório.
Eles já devem ter dinheiro suficiente para comprar as funduras, não compram porque não iam achar a quem revender.
— Mas não há como negar o que aparece claramente nos vídeos, é tudo muito claro.
— Para nós dois. Para todo mundo, aliás, menos eles lá, que são o que interessa. E mais tarde eles podem até provar que só malocaram o dinheiro nas cuecas e nas meias com medo de assaltos, porque era tudo para instituições de caridade.
— Pensando bem, lá isso é. Tem até um vídeo que mostra três ou quatro deles fazendo uma oração de agradecimento a Deus.
— É, mas nisso eles vão se dar mal.
Deus é difícil de enganar, finge que foi enrolado e no fim mostra quem é mesmo que sabe das coisas no pedaço.
— Que é isso, Zeca, estou estranhando você. Deus? E o materialismo, você não é marxista-leninista, materialista? — Sou materialista científico, sim, com muito orgulho, mas não sou fanático.
Ter certeza de que existe inferno é muito consolador.
Entrevista:O Estado inteligente
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