O GLOBO
PANORAMA ECONÔMICO
O presidente Lula chegará aqui em Copenhague falando em cerca de US$ 200 bilhões como o esforço brasileiro para combater as mudanças climáticas. Ontem, ele mandou que a equipe calculasse tudo o que será investido em energia, agricultura, combate ao desmatamento, para ter um número bilionário. Parte disso foi motivada pelo que os candidatos de oposição disseram.
A COP-15 está fracassando.
Questões importantes serão adiadas para a reunião do ano que vem, a COP-16, como o mecanismo de financiamento.
Há muita coisa grave acontecendo, mas a delegação brasileira, por ser chefiada por uma candidata, se move com o olho na eleição do ano que vem. Como tanto o governador José Serra quanto a senadora Marina Silva propuseram que o Brasil depositasse recursos no fundo para os países mais pobres, o governo decidiu produzir um número fazendo uma conta mirabolante.
Os novos textos dos documentos da COP-15, que saíram ontem no fim do dia, são incompletos, cheios de colchetes, de remissões, e pior: com muitos adiamentos. Pedaços importantes, já decididos, foram retirados, com a informação de que seriam postos em consulta.
Durante a noite, a presidente da Conferência, Connie Hedegaard, ficou em reunião com os presidentes dos dois grupos — do chamado LCA, (do futuro acordo), e o da renovação de Kioto — para fazer novas versões para divulgar hoje de manhã.
Os recuos acontecem assim: era madrugada de segunda para terça, e as discussões no grupo do REDD estavam quase fechando. Isso era uma rara boa notícia. O REDD é o que mais interessa para países com florestas, como o Brasil. De repente, o representante dos EUA sugeriu incluir a palavra “subnacional”.
Bastou isso para todo o texto cair.
Numa negociação assim, um pequeno acréscimo pode pôr tudo a perder. Se a palavra subnacional entrasse, significaria que o controle do desmatamento não seria feito pelo governo federal, mas em cada estado. REDD significa Redução de Desmatamento e Degradação, um mecanismo financeiro que transforma a proteção da floresta em fonte para receber financiamento.
Não é simples, nada é simples aqui. É preciso que a floresta seja monitorada com critérios internacionais. O Brasil prefere que esse controle seja do governo federal porque já há uma estrutura montada com tecnologia dominada.
Sendo feito pelos estados, pode haver vazamento: ou seja, controla-se um estado, e o outro desmata. Na mesa de negociação, alguém sugeriu então que se colocasse as duas possibilidades. Foi como um estouro de boiada, em todos os outros pequenos detalhes em que já havia acordo, os derrotados pediram para também colocar as duas opções. Assim, em minutos a negociação recuou 48 horas.
Há grupos negociando vários outros assuntos, e todos encrencados. Financiamento: estabelece quanto dinheiro os países vão dar para o fundo de combate à mudança climática. Adaptação: quanto dinheiro vai para os países mais pobres e vulneráveis.
Mitigação: quem terá metas de redução de gases de efeito estufa e como elas serão. Esses assuntos passaram os últimos dias em avanços e retrocessos.
Mais retrocessos que avanços.
Cada peça dessas foi discutida em grupos liderados por duplas de países bem diferentes. Por exemplo, financiamento era assunto da Inglaterra e Gana. Depois, todas as peças se juntam para formar o documento.
O tempo foi se esgotando ao longo do dia, sem que fosse possível preencher as lacunas. No caso do REDD, os governadores da Amazônia e as ONGs prepararam uma proposta para o Brasil tentar salvar esta parte do acordo e levaram à ministra Dilma.
No começo da tarde, a sensação era de fracasso iminente.
Na entrevista dada pelas duas pessoas mais poderosas da COP, Yvo de Boer, o secretário-executivo da Convenção, e a presidente da Conferência, Connie Heddegaard, o clima era de aflição.
Os jornalistas cobraram: como é possível que depois de dois anos de intensas negociações tudo esteja tão imaturo ainda, tão cheio de bloqueios? — Se alguém me dissesse há dois anos, em Bali, que conseguiríamos reunir aqui mais de 110 chefes de Estado, e que estão aqui porque esse assunto virou prioridade nacional em todos os países, eu diria que seria impossível — disse Connie.
Para resumir os impasses, Yvo de Boer explicou: — Os países-ilhas têm medo de desaparecer, os petrolíferos vivem da economia que queremos eliminar, os ricos têm medo de perder empregos, os países em desenvolvimento querem crescer: a Índia tem 400 milhões de pessoas sem energia elétrica.
O que diremos a eles? Na cerimônia de abertura do nível ministerial, houve discursos fortes e contundentes do Príncipe Charles, da presidente da Conferência, do secretário-geral da ONU. Todos, em geral, dizem que o mundo não pode correr o risco de um fracasso. Mesmo assim, o mundo está correndo o risco de ter um amontoado de discursos, uma foto de mais de uma centena de chefes de Estado, e dois documentos cheios de trechos adiando as decisões.
Na saída, encontrei Todd Stern, o principal negociador americano. Perguntei como ele definiria este momento da negociação: — Está difícil, mas ainda é possível.