Por que a tão propalada reforma política não anda? A resposta começa com a lembrança de Maquiavel: "Nada é mais difícil de executar, mais duvidoso de ter êxito ou mais perigoso de manejar do que dar início a uma nova ordem de coisas." Se imprimir nova disposição ao sistema político é tarefa complicada em qualquer democracia, imagine-se o grau de dificuldade que gera no meio de uma cultura inoculada pelo vírus patrimonialista, que costuma corroer as entranhas do Estado. Nossos representantes, como donatários do mandato, querem ter o direito de exercer e usufruir funções e benesses inerentes a ele. Por conseguinte, resistem a votar disposições que possam vir a limitar seu poder. Querem ter liberdade de pular de partidos a seu bel-prazer. Fazer coligações com siglas aliadas e adversárias. Partidos pequenos, mesmo sem expressão eleitoral, devem continuar a existir? Ajustar a proporção da representação, tornando mais justa a relação entre número de votos conquistados pelos partidos e cadeiras obtidas, nem pensar. Como se sabe, por força de disposição constitucional, estabeleceu-se um mínimo de 8 e o máximo de 70 parlamentares por Estado, gerando desproporção média em torno de 10% na representação territorial.
Aos exemplos acima se somam outros que geram conflitos de visões, como o sistema de voto em lista fechada. Se alguns defendem a ideia de que esse mecanismo contribuiria para o fortalecimento partidário, outros argumentam com a hipótese de que o sistema reforçaria o mandonismo das cúpulas, que comporiam chapas com nomes de sua preferência numa ordem de importância. Formar um sistema misto, sendo uma parte eleita pelo atual modelo aberto e outra por meio de lista fechada, é algo polêmico. Em suma, o território pessoal prevalece sobre o espaço dos anseios coletivos e o mapa de qualificação dos partidos. De tão complexa, a dialética da mudança emperra. Chega-se, assim, ao diagnóstico: a reforma não sai porque não há vontade política suficiente; já a escassez de vontade decorre do particularismo que impregna a vida pública. Noutros termos, o declínio do conjunto partidário, a fragmentação de lideranças, o arrefecimento do engajamento das massas, a deterioração dos padrões e temáticas pontuais - patrocinadas pelo Executivo ou pinçadas de uma agenda de circunstâncias - impedem os projetos de caráter mais estrutural.
A análise pode ser feita sob outro prisma. A reforma política não evolui porque não se extrapola o ambiente onde é artificialmente trabalhada, no caso, o círculo dos três Poderes. A matéria política circula por ali, saindo de uma Casa parlamentar para outra, às vezes sob o patrocínio do Palácio do Planalto e, eventualmente, ganhando um adicional - interpretações constitucionais - pelo Poder Judiciário. Em face das dúvidas e diante do acirramento de posições entre os próprios aliados, chega-se à acomodação para não votar a reforma política, mesmo com o reconhecimento de que ela é necessária. Não passa de falácia, portanto, a lembrança do presidente de que os projetos de minirreformas do Executivo não andaram. Do alto de sua imensa popularidade, liquidaria essa fatura se assim o quisesse.
Neste ponto, emerge a conclusão: enquanto for um evento centrífugo, de dentro para fora, a reforma não caminhará. Fator decisivo nessa teia é a pressão da sociedade. Para avançar a reforma carece de uma força centrípeta, articulada por entidades e movimentos. Acontece que a matéria política decepciona a sociedade. Este é mais um nó que deve ser desamarrado: o trem da mudança atrela-se à locomotiva social, mas para tanto os políticos devem dar bons exemplos e melhorar a representação. O que se sente é o contrário: comunidade desmotivada ante os escândalos que batem no conceito de mandatários de todas as esferas. Se os atores envolvidos na trama forem capazes de chegar a um consenso, a reforma tem condição de ser uma utopia. Da parte da sociedade, a mobilização passa pela integração de entidades de reconhecido prestígio com a organização de uma agenda focada nesse tema específico. Se o universo associativo se expande, na esteira de uma miríade de entidades, os campos de interesse variam, dificultando a convergência de abordagens e a defesa de projetos de alto interesse social.
Mas, como diria o sábio chinês, uma caminhada de mil quilômetros começa com um primeiro passo. E como até nos pântanos nascem lindas flores, a esperança é que, no meio do lodo que escorre pelos desvãos institucionais, a reforma política desça do espaço etéreo das intenções para baixar em terra firme, limpando o nosso amanhã de vendilhões da política.