O Estado de S Paulo
A autonomia do BC é desses assuntos que afetam a vida de todos os brasileiros, mas, como não é visível nem sentido no nosso cotidiano, não ganha a prioridade e a importância merecidas, é de complexa compreensão e presa fácil na verborragia demagógica de políticos oportunistas.
A autonomia legal é necessária porque "separa o poder de gastar dinheiro (Executivo e Congresso) do de emitir dinheiro (BC), especialmente em véspera de eleições", define o economista Edmar Bacha. Essa mistura promíscua de poderes ocorreu ao longo da história do País e mais tragicamente no final da década de 80, no governo Sarney, quando a inflação anual ultrapassou 1.000%, arruinou a economia, fez sumir investimentos e suprimiu empregos e salários.
Se a principal missão do BC é controlar a inflação e garantir a estabilidade da moeda, tomar decisões com autonomia e longe dos políticos é o que protege a saúde da economia e o poder de compra do cidadão comum, sobretudo em épocas de gastança de campanha eleitoral.
Não há ideologia nessa questão. John Maynard Keynes, papa do intervencionismo estatal, a defendia, e o neoliberal Milton Friedman a criticava. Na Inglaterra ela chegou com o trabalhista Tony Blair, depois de 18 anos de negativas de governos liberais. No Chile, foi decidida na ditadura de Pinochet e preservada nos governos democráticos. FHC e Lula respeitaram e não interferiram em decisões relevantes do BC. Mas se negaram a formalizar sua autonomia em lei. No Congresso é a oposição que defende a ideia e a base aliada, sobretudo o PT, a bombardeia. Não interessa aos políticos uma lei que impeça sua interferência em decisões sobre taxa de juros, aumento da dívida e emissão de dinheiro. Eles sempre querem gastar mais do que têm e podem. À população interessa o oposto.
Previdência - Sempre que escrevo sobre Previdência, como domingo passado, preparo-me para receber e-mails indignados. É natural. Afinal, cheia de remendos e vícios, nossa Previdência é hoje um monstrengo injusto. Mas, surpreendentemente, desta vez os e-mails estavam mais brandos, reconhecem que a bola de neve do déficit previdenciário pode prejudicar as futuras gerações e alguns apontam soluções para o problema. Abaixo transcrevo um resumo das principais reclamações e propostas de solução contidas nos e-mails:
Há uma revolta geral contra a diferença de regras válidas para funcionários públicos e políticos, que se aposentam mais cedo e com salário integral, enquanto trabalhadores privados têm teto limitado a 10 salários mínimos, que se reduz com a aplicação do fator previdenciário. O leitor Roberto Nolasco diz que a contribuição do militar cobre só 8% do que ele custa e defende um teto único do valor do benefício para funcionários públicos e privados.
Gustavo Veiga diz que a Previdência "é injusta, trata iguais de forma diferente; alguns são mais iguais do que outros" e propõe uma "nova Previdência igual para todos, homens, mulheres, funcionários públicos e da iniciativa privada rural e urbana". Essa foi a primeira proposta de reforma de Lula, mas o governo petista recuou rapidinho diante de pressões políticas de funcionários, deputados e senadores.
Dílson Melo conta que se aposentou com 37,5 anos de contribuição, dos quais 20 anos sobre 20 salários e 17,5 anos sobre 10. Começou ganhando 7 mínimos (R$ 3.255) e agora recebe só 4,7 (R$ 2.185,50). Desde o cruzado, sucessivos planos econômicos encolheram os benefícios pagos pelo INSS.
A revolta se estende contra a aposentadoria rural, que custa quase metade da folha do INSS e nenhum centavo de contribuição. E contra a isenção que privilegia entidades erroneamente chamadas de filantrópicas, mas que na verdade buscam obter lucros financeiros, como clubes de futebol.
Quando se fala de Previdência, todos e ninguém têm razão. Mas há um aspecto positivo: mais de uma década de debate e até os aposentados reconhecem que o problema existe e é preciso encontrar solução.