O aiatolá Hossein Ali Montazeri usou o islamismo para
condenar a repressão. Morto, deu força à oposição no Irã
Duda Teixeira
Fotos Atta Kenare/AFP e AFP |
Enterro de protesto Multidão acompanha o corpo do aiatolá (à dir.): "Morte ao ditador" |
Foi preciso um velhinho asmático e diabético morrer para o resto do mundo descobrir: o clamor por reformas políticas no Irã é tão poderoso que transformou uma figura como o falecido aiatolá Hossein Ali Montazeri, em tudo parecido com o que o regime teocrático teria de mais retrógrado, num paladino da liberdade e da justiça. "Liberdade é permitir que as pessoas expressem livremente suas opiniões; não jogá-las na cadeia por qualquer protesto que façam", escreveu num dos seus últimos pronunciamentos, que, sob o peso da idade e da saúde ruim, foram ficando cada vez mais ousados. Outro, no qual soava mais como um founding father, ou um fundador da república americana, do que um fundamentalista de turbante: "Um sistema político baseado em força, opressão, manipulação de votos, assassinatos, prisões e uso de métodos stalinistas e medievais de tortura, criando repressão, censura de jornais, interferência nos meios de comunicação, encarceramento dos representantes da nata da sociedade, forçando-os a fazer falsas confissões na cadeia, é condenável e ilegítimo". Antes de morrer, Montazeri ainda teve a audácia de criticar a si mesmo pelo papel que desempenhou na invasão da embaixada americana, em 1979. Morto, propiciou o derradeiro ato de desafio ao regime com a enorme congregação de reformistas presente a seu enterro, na cidade de Qom, que está para o xiismo como Roma para os católicos.
Transformar enterro em manifestação política faz parte da alma iraniana, disputada pelas duas grandes forças que se defrontam no momento: os defensores do status quo, representados pelo presidente civil, Mahmoud Ahmadinejad, e pelo chefão religioso, Ali Khamenei, e os propugnadores da reforma, com diferentes níveis de liberalidade. Desses, os principais nomes foram a Qom. Montazeri foi um precursor, que rompeu em 1989 com o regime que ajudou a criar. Horrorizado com uma execução em massa de prisioneiros políticos, passou a condenar a violência em nome do estado e a participação direta do clero xiita na política. No enterro, a multidão gritava: "Montazeri, seu caminho será trilhado mesmo que o ditador Ahmadinejad faça chover tiros sobre nossas cabeças". Dá para calar uma oposição assim?