O GLOBO
“Combata a nudez” era o meu grupo favorito de manifestantes em Copenhague. Tinha o “Be Veg”, que garantia: o vegetariano emite 70% menos C02.
Tinha defensores de animais ameaçados, no topo, o belo urso polar. As grandes ONGs tinham bandeiras macro. Mas o “Fight nudity” era guerreiro.
Um dia, estavam de cuecas na porta do Bella Center, num frio glacial.
Os entrantes eram saudados pelo grito de guerra: — Fight nudity! Fight nudity! — berravam, pulando na vestimenta sumária.
Não salvaram o mundo, mas divertiram os que enfrentavam os desafios da entrada diária no centro de convenções superlotado da Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP-15). O metrô exibia o filme da ONG: dois funcionários se encontram numa empresa. Um diz: “Você veio nu?”. O outro: “Com esse aquecimento global, cada dia tenho que tirar uma peça de roupa, por isso decidi assumir.” Voltei ao assunto Copenhague para falar de duas coisas: o papel das ONGs, e que lições pode tirar de lá um país que se prepara para hospedar dois grandes eventos: a Copa e as Olimpíadas.
Dentro do Bella Center, as várias ONGs faziam manifestaçõesrelâmpago que capturavam a atenção pela criatividade.
Mas engana-se quem pensa que aquele teatro, os gritos nas passeatas ou na porta do Bella Center eram o resumo da atuação das organizações não governamentais.
O maior trabalho era silencioso. As grandes ONGs como Greenpeace, WWF, Oxfam tinham dezenas de técnicos dentro do centro de convenções com uma extraordinária capacidade de saber o que se passava e especialistas em todas aquelas complicações técnicas.
A burocracia internacional do clima criou um mar de siglas, uma montanha de detalhes técnicos e uma floresta impenetrável de mecanismos.
Não dá para se mover nesse planeta sem os técnicos das ONGs. Saíam documentos e rascunhos sucessivos.
Para entender o que significava cada colchete, cada número, cada sutileza era preciso recorrer aos tradutores especializados.
Da metade para o fim da Conferência foram sumindo os técnicos, os especialistas.
A gente ligava, e eles diziam que não tinham conseguido entrar no Bella Center. E aí chegamos ao segundo assunto da coluna: o colapso logístico provocado pela incapacidade dos dinamarqueses ou da ONU, ou de ambos, de dimensionar o evento.
O metrô de Copenhague é uma maravilha. No sinal luminoso, o aviso aparece: Vanloose em três minutos. Podia contar, em dois minutos e meio estava chegando o trem para Vanloose. Meio minuto para o pessoal se acomodar e saía o metrô na hora certinha para a próxima estação. Tudo muito bem, até que chegaram os bárbaros: nós.
Credenciados para a COP eram 45 mil. Mais o pessoal de apoio, a cidade explodiu.
Isso já se sabia quando meses antes do evento não se achava um único quarto em hotéis na cidade. A saída boa foi ver a lista de imóveis para alugar, no próprio site da ONU. O meu locador, Rasmus Grei, era um jovem de 21 anos, fazendo MBA. Já veio ao Brasil e se apaixonou. Sua casa é decorada com uma foto do Rio em cima da cama, uma das Cataratas do Iguaçu, na sala, e uma miniatura do Cristo Redentor, na estante.
Quando ele pretende voltar ao Brasil? Em 2014 ou 2016.
Isso nos remete ao que não fazer na Copa ou nas Olimpíadas.
O pior erro é subdimensionar.
No caso da COP, isso produziu uma quantidade de desconforto indescritível.
Tínhamos que ir cedo para o Bella Center, do contrário a entrada poderia significar horas nas filas a zero grau. Dependendo do número de manifestantes, ou de pessoas tentando entrar, tudo podia acontecer. O negociador brasileiro Luiz Alberto Figueiredo ficou preso na multidão, e até Rajendra Pachauri, o presidente do IPCC, o grupo dos cientistas da ONU, teve dificuldades para entrar. Isso vira enorme propaganda negativa.
No começo da segunda semana, o metrô deu sinais de que não conseguia digerir tanta gente. Um dia, fui carregada pela turba de passageiros para dentro do vagão e lá fiquei empacotada.
A massa compacta lembrava os trens do subúrbio do Rio. O metrô é tão preciso que trens em direção contrária compartilham o mesmo trilho.
— Eu precisei de dois dias para entender isso, que no mesmo lado da estação podem passar trens que vão em direção opostas — me disse um americano.
Uma noite, Sônia Bridi esqueceu a mala com computadores e equipamentos pessoais dentro do metrô.
Ligou para a central. Eles disseram que não tinham condutores, mas que ela ficasse na estação que a mala voltaria. Voltou.
Com tal logística de precisão, o metrô às vezes informava que o trem estava atrasado e sem previsão. Tudo preparado pra funcionar e muita coisa deu errada. A segurança era errática. Houve um dia, quando vários chefes de Estado já estavam lá, que colocaram detectores de metais na entrada do centro de imprensa, avisaram que homens e mulheres teriam que dividir o mesmo banheiro — o dos homens havia sido trancado — e decretaram que jornalistas só poderiam sair do centro acompanhados por policiais.
Uma hora depois, desistiram de tudo, tiraram os detectores e abriram o banheiro dos homens.
A comida dentro do Bella Center era indigente. Eles entregaram para um monopólio que oferecia os mesmos dois sanduíches em cada ponto de venda, as mesmas três opções de almoço.
Por isso fez tanto sucesso quando o capitalismo chegou na forma de uma carrocinha de cachorro-quente.
Filas enormes se formavam na frente do que foi — na opinião do jornalista Andrei Netto, do “Estadão” — o “único consenso da COP15”. Lá, um dia vi até o poderoso Yvo de Boer, o secretário-executivo da Convenção do Clima, combatendo sua fome.
Entrevista:O Estado inteligente
- Índice atual:www.indicedeartigosetc.blogspot.com.br/
- INDICE ANTERIOR a Setembro 28, 2008
Arquivo do blog
-
▼
2009
(3759)
-
▼
dezembro
(196)
- Brincando com fogo
- CELSO MING - O espaço da Bolsa
- Miriam Leitão Décadas gêmeas
- Guiherme Fiuza O super-homem do ano
- Decreto abre crise entre ministros
- Vinicius Torres FreirE- Banca privada volta à retr...
- Paulo Rabello de Castro -2010: um país para Kamila
- Míriam Leitão -Um ano, dois medos
- Celso Ming -O IGP-M andou para trás
- Miriam Leitão Leis e vetos
- Celso Ming Recado chinês
- PAC faz 3 anos com apenas 10% das obras concluídas
- Marvado atraso JOÃO UBALDO RIBEIRO
- CELSO MING - Sem ajuda, não avança
- Transição para 2010 Suely Caldas
- A política e o homem público Gaudêncio Torquato
- Internacional Retrospectiva 2009
- Brasil Retrospectiva 2009
- Miriam Leitão Tribos e eventos
- A morte manda recado
- Rumo ao interior
- Uma tragédia que se repete
- Cena fora do script
- Mais festa do que resultado
- Carta do Editor | Roberto Civita
- Boas Festas e um Feliz 2010
- O fim da batalha
- Entre a máfia e a máfia
- O senhor das eleições de 2010
- Brasil
- Diogo Mainardi A chapa cabocla
- Miriam Leitão Dentro dos números
- Merval Pereira Erros novos e antigos
- Dora Kramer -Fator de risco
- Clique e compre Celso Ming
- Vinicius Torres Freire Programa de Aceleração do ...
- Demétrio Magnoli O inimigo americano
- CELSO MING - Quem rasga dinheiro
- Luiz Carlos Mendonça de Barros:: 2009: lições e ci...
- Marco Antonio Villa O poder e a glória
- Ricardo Noblat Vai, minha filha, ajuda!
- DANUZA LEÃO Para que o amor dure
- O velho e o novo Miriam Leitão
- JOÃO UBALDO RIBEIRO Noite feliz
- JB Entrevista : Fernando Henrique Cardoso
- Ferreira Gullar Cabra safado não se ama
- Merval Pereira O Supremo na berlinda
- Dora Kramer Dedo na ferida
- Rubens Ricupero:Condenados a melhorar
- Rubens Ricupero:Condenados a melhorar
- Alberto Dines:O efeito Noé
- Suely Caldas:Brasil, Chile e suas diferenças
- Veja Carta ao Leitor
- Aécio abre caminho para Serra
- O que se está falando dos presidenciáveis no Twitter
- MST O movimento social mais odiado no Brasil
- Mensaleiros Delúbio de volta aos negócios
- FGTS Recursos poderão ser investidos em obras de...
- Agora, Lula terá de despachar Battisti
- COP15 Aquecimento: a busca de uma saída
- Itália Política do ódio: a agressão a Berlusconi
- Grécia A explosão da dívida pública
- As Escrituras e os grandes dilemas atuais
- A investigação do acidente da Air France
- Bicicletas movidas a energia cinética
- Como surgiu o Mar Mediterrâneo
- Confecom: investida contra a liberdade de imprensa
- Entrevista Bjorn Lomborg
- Claudio de Moura Castro As escolas de dona Vicky
- Memória Paul Samuelson
- Maílson da Nóbrega Temos instituições fortes
- J. R. Guzzo Primeira classe
- Rubem Fonseca, colaborador do Ipes
- A Boca da Verdade, de Mario Sabino
- VEJA Recomenda e Os mais vendidos
- Radar Lauro Jardim
- Celso Ming Os capitais estão chegando
- Miriam Leitão Acordo de Copenhague
- Urubu ou faisão? NELSON MOTTA
- Luiz Carlos Mendonça de Barros:: Como entender os ...
- Fernando de Barros e Silva:Aécio abre a janela
- Dora Kramer : Roteiro original
- Merval Pereira : Fumaça branca
- CARLOS ALBERTO SARDENBERG Haverá comida?
- Merval Pereira A busca do vice
- CELSO MING - Perfurador de bolhas
- Dora Kramer A hora e a vez
- Rolf Kuntz Dois presentes para Hugo Chávez
- Miriam Leitão :Líderes em ação
- Um partido à procura de um discurso
- Miriam Leitão COP em perigo
- ROBERTO DaMATTA Os verdadeiros filhos do Brasil (F...
- Celso Ming - Riqueza do vento
- Merval Pereira Disputa pela esquerda
- Os perigos da Confecom
- FERNANDO DE BARROS E SILVA Imagem envenenada
- Dora Kramer Conduta abusiva
- Augusto Nunes:O cinismo passou da conta
- Celso Ming - É a superpoupança
- Dora Kramer A força da tradição
-
▼
dezembro
(196)
- Blog do Lampreia
- Caio Blinder
- Adriano Pires
- Democracia Politica e novo reformismo
- Blog do VILLA
- Augusto Nunes
- Reinaldo Azevedo
- Conteudo Livre
- Indice anterior a 4 dezembro de 2005
- Google News
- INDICE ATUALIZADO
- INDICE ATE4 DEZEMBRO 2005
- Blog Noblat
- e-agora
- CLIPPING DE NOTICIAS
- truthout
- BLOG JOSIAS DE SOUZA