Entrevista:O Estado inteligente

sexta-feira, dezembro 18, 2009

Miriam Leitão Acordo de Copenhague

O Globo

PANORAMA ECONÔMICO
Haverá acordo em Copenhague. Ele será menor do que o planeta precisa, não terá força de lei, adiará algumas decisões, mas as conversas dos chefes de Estado fizeram a diferença no meio da enorme coleção de nós cegos que havia virado a negociação. O presidente Barack Obama errou ao demorar a embarcar. O premier britânico assumiu a liderança.
O presidente da Comissão Europeia, José Manuel Durão Barroso, disse numa entrevista que me concedeu na Globonews que China e Estados Unidos poderiam ter ido além de suas fronteiras nacionais e assumido mais responsabilidades. Ele admite que o acordo não terá força de lei imediata.

— Eu espero que saia daqui um acordo político, que depois seja traduzido no tal acordo com força de lei. Se for assim, podemos dizer que não foi um adiamento, que foi um passo na boa direção. Mas não vai ser ainda o acordo final. Haverá vida para além de Copenhague, haverá trabalho para além de Copenhague — disse Durão Barroso.

No dia de ontem, fez falta a liderança americana. Obama errou ao não vir mais cedo. O primeiro-ministro Gordon Brown dedicou três dias para ficar em Copenhague, negociando diretamente com os chefes de Estado. Quando, no nível de negociadores, ocorre o que houve aqui, em que, numa noite, desmontase a arquitetura montada em uma semana de desgastantes conversas, são os governantes que têm que entrar em campo. Brown entendeu isso. O presidente Nicolas Sarkozy fez o mais candente discurso no plenário ontem — de improviso, mobilizador, emocionado. Mas, além disso, trabalhou para desatar os nós. E assim fizeram a chanceler alemã Angela Merkel, o presidente Calderon, do México, o presidente Lula. Enquanto os discursos se sucediam, em encontros bilaterais, ou em grupos, governantes tentavam avançar.

— O que está acontecendo? Conversas, muitas conversas entre os presidentes.

Elas não vão parar. Ainda temos o dia de amanhã — disse Angel Gurria, presidente da OCDE.

O medo moveu os líderes.

Medo do maior fiasco da história da diplomacia, que seria a cena em que 110 chefes de Estado se reúnem numa cidade gelada para comunicar ao mundo um fracasso perto do Natal. A história dessa COP, dramática, tortuosa, aflita, será marcada por essas horas finais e pelas conversas dos presidentes.

Como disse Lula, ontem, eles não podem estar na foto que o futuro verá como a dos líderes do mundo que fracassaram em salvar a Terra quando era possível fazê-lo.

As bases do acordo são as seguintes: todos os países industrializados, inclusive Estados Unidos, terão metas. Os Estados Unidos resistem a uma meta maior do que está sendo aprovado pelo Congresso. Os países emergentes terão metas pela primeira vez na história. Terá outro nome e será uma redução do ritmo de crescimento das emissões.

Essas metas serão fiscalizadas.

No jargão climático, metas precisam ser MRV (monitoradas, reportadas e verificadas). Esse foi outro ponto de conflito.

A China achava que era interferência indevida. O Brasil ficou do lado da China, mas acabou aceitando o controle nas ações financiadas externamente. As ações sem dinheiro externo serão monitoradas com critérios internacionais, mas aplicados apenas internamente.

A China também caminhou nessa direção.

O grande avanço das últimas horas foi na área de financiamento para as ações de redução das emissões. A Europa e a África, na véspera, falaram em US$ 50 bilhões por ano de 2013 a 2015; US$ 100 bilhões por ano até 2020. Os Estados Unidos ontem falaram em US$ 100 bilhões. Mas assim: a Europa aceita contribuir com parte desse dinheiro; a secretária Hillary Clinton falou em apoiar um pacote desse tamanho e que os Estados Unidos participariam “proporcionalmente”. Em resumo, ninguém mostrou o cheque, mas um fundo de longo prazo, como queriam os países em desenvolvimento, vai existir. O fundo será constituído sob a autoridade da Convenção do Clima, terá uma diretoria com representantes tanto de países desenvolvidos quanto de países em desenvolvimento.

Estava ontem quase fechado também o mecanismo que tornará possível o financiamento externo para a proteção das florestas, o REDD.

Ontem de manhã, o primeiroministro Gordon Brown disse no plenário que, “informados pela ciência”, líderes desse “mundo frágil” se reuniam para agir. O jornal britânico “The Guardian” divulgou um estudo da ONU, confidencial, dizendo que as emissões de gases de efeito estufa permitidas por um acordo frouxo, como o que está saindo de Copenhague, têm uma dimensão tal que elevaria a temperatura da Terra em três graus. Isso, para nós, pode significar o começo da morte da floresta Amazônica.

“Nestes poucos dias em Copenhague, os que serão abençoados ou culpados pelas gerações que virão não podem permitir que os interesses estreitos evitem a política da sobrevivência humana”, disse o primeiro-ministro britânico, que comandou a reunião convocada para ontem no Bella Center, perto da meianoite, após o jantar da rainha. Liderança é o nome do jogo jogado nas dramáticas horas finais da reunião de Copenhague.
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COM ALVARO GRIBEL

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