Golpe baixo no Cavaliere
O ataque ao premiê Silvio Berlusconi foi obra de um lunático,
mas é uma amostra do risco da radicalização da oposição na Itália
Thomaz Favaro
Fotos Luca Bruno/AP |
Rastros de sangue |
Políticos do mundo todo já viram de perto – bem de perto – ovos, tortas, tomates e sapatos atirados em protestos. Mas o ataque ao primeiro-ministro italiano Silvio Berlusconi, ocorrido na semana passada, foi de outra ordem. Não apenas pela intensidade dos ferimentos, mas pelo que revela sobre a radicalização do clima político na Itália. Em sua cidade natal, Milão, Berlusconi cumprimentava a multidão que havia se aglomerado na Praça do Duomo para ouvir seu discurso quando foi atingido no rosto por uma réplica em miniatura da catedral local, um símbolo da cidade. O primeiro-ministro sofreu aquilo que um médico qualificou de "ferimentos de boxeador". Ele teve o nariz e dois dentes quebrados, além de cortes profundos nos lábios. Deixou o hospital na quinta-feira passada, mas a recuperação deve demorar pelo menos três semanas e pode incluir uma cirurgia plástica. O agressor, preso em seguida e protegido pela polícia da multidão que o queria linchar, foi identificado como Massimo Tartaglia, um milanês de 42 anos, dez dos quais sob cuidados psiquiátricos. Tartaglia, que levava no bolso outro suvenir (um crucifixo) e um spray de pimenta, explicou o atentado como resultado de sua aversão à política de Berlusconi.
A Itália está radicalmente polarizada pela figura do Il Cavaliere, concomitantemente a maior força política e o homem mais rico do país há mais de uma década. A maioria dos italianos admira seu carisma, suas piadas e acredita que ele encarna o sonho de fortuna do homem comum. Berlusconi, que já foi cantor de cruzeiros no Mediterrâneo, amealhou uma fortuna estimada em 6,5 bilhões de dólares e está no terceiro mandato como primeiro-ministro. Aos 73 anos, é dono de três redes privadas de televisão, do time de futebol Milan e de uma interminável lista de negócios. "Berlusconi é popular porque sabe cultivar sua imagem diante das câmeras e tem defendido temas que são prioritários para a maioria dos italianos, como a redução da carga tributária, uma política de imigração e o combate à criminalidade", disse a VEJA Roberto D’Alimonte, professor de ciência política da Universidade de Florença, na Itália. Outros italianos, especialmente aqueles que votam na oposição esquerdista, não suportam seu estilo histriônico, sua facilidade para produzir gafes dignas das óperas-bufas e o que consideram a inércia de seu governo. O que se vê entre os oposicionistas, contudo, vai além do razoável. É um chamado constante à violência que pode explicar o ataque em Milão.
Após o incidente, mais de 20 000 pessoas postaram mensagens no Facebook, uma rede social, para manifestar seu apoio ao lunático que atacou Berlusconi. Seu arqui-inimigo Antonio di Prieto, ex-juiz e hoje líder de um partido de oposição, chegou a inverter o papel de vítima, alegando que o próprio Berlusconi é que era o culpado por "instigar a violência". De fato, o primeiro-ministro ataca com virulência seus opositores. Em outubro, Berlusconi perdeu a imunidade parlamentar por decisão da Corte Constitucional, equivalente ao Supremo Tribunal Federal brasileiro. Sua resposta: os juízes são todos comunistas. Ainda assim, o clima de ódio mútuo foi criado principalmente pela esquerda italiana, que, sem um nome de peso capaz de derrotá-lo, culpa Berlusconi por tudo de ruim que ocorre no país.
O fato é que 2009 foi um ano péssimo para o Cavaliere. Depois de perder a imunidade, voltou ao banco dos réus para responder por denúncias de fraude e corrupção. Berlusconi é acusado de subornar um advogado britânico, e sua holding, Fininvest, foi obrigada a pagar uma indenização de 1 bilhão de dólares por irregularidades na compra da Mondadori, a principal editora do país. Sua vida privada, exposta ao público como em nenhum outro país da Europa, é uma delícia para as revistas de fofocas. Sua mulher, Verônica Lario, pediu o divórcio depois de descobrir o relacionamento do marido com uma jovem de 18 anos e agora pede uma pensão de 3,5 milhões de euros. Também foram publicadas fotos das festas com prostitutas promovidas pelo premiê em sua villa na Sardenha. A descrição do ambiente orgiástico foi completada com as declarações de Patrizia D’Addario, prostituta de luxo de 42 anos que mostrou fotos e vídeos dela e das "amigas" no banheiro do Palazzo Grazioli, a residência oficial em Roma.
Não bastassem os ataques pessoais, o governo de Berlusconi também está sob fogo cruzado: o país foi nocauteado pela crise econômica e o PIB italiano acumula uma retração de 5,9% neste ano. Mesmo diante de tantos escândalos, as pesquisas mostram que 50% dos italianos aprovam o governo, motivo pelo qual é pouco provável que Berlusconi saia do cenário político tão cedo, para arrepio de seus opositores. Como resumiu o próprio, num gesto conciliatório ao deixar o hospital: "Se esse incidente ajudar a melhorar o clima político na Itália, minha dor não terá sido em vão".
Fotos Livio Anticoli / Reuter e Alessandro Garofalo/Reuters |
"Um ato covarde" |