Fome de ar, água e comida
Os donos do mundo e seus sábios reunidos em Copenhague ainda não se entenderam sobre como salvar o planeta. A COP15 já funcionou, porém, como uma martelada na cabeça dos líderes, alertando-os para a superlotação da Terra e a dramática escassez de recursos naturais
Ronaldo França, de Copenhague
Fotos cortesia Royal Hollway/Universidade de Londres; Lain D. Willians/Reuters |
ELES DEVORAM MESMO Na fotografia acima, feita no Alasca, um urso-polar arrasta a carcaça de outro. Os ursos-polares costumam matar e devorar seus pares em lutas por dominação sexual e para controle populacional. Os pesquisadores suspeitam que o degelo precoce do Ártico, atribuído ao aquecimento global, tornou o canibalismo mais frequente entre os ursos. O quadro abaixo, do inglês Edwin Landseer, do século XIX, retrata uma cena descrita por sobreviventes de um naufrágio. O urso da direita tem entre as presas um osso humano ainda com carne. Que contraste. A ideia de animais selvagens como vítimas da ação do homem é recentíssima |
Antes que você acabe de ler esta frase, terão nascido no mundo quarenta bebês, enquanto vinte de nós terão deixado o plano material para prestar contas a Deus. O saldo é a chegada, a cada dez segundos, de vinte novos moradores da Terra, prontos para crescer, estudar, trabalhar, namorar, casar e ter filhos. Há dez anos, em 1999, o planeta estava na confortável situação de receber cada novo morador com comida e água na quantidade necessária para que ele conseguisse atingir seus sublimes objetivos na vida. De lá para cá, começou a se delinear um novo e desafiador cenário para a espécie humana. A demanda por comida e outros bens naturais passou a crescer mais rapidamente do que a oferta, como mostram as curvas desenhadas no globo da página anterior. Elas não foram parar ali por acaso. Aquele globo esverdeado e translúcido é, até agora, a imagem que melhor identifica a COP15, a reunião de representantes de 192 países que tem lugar em Copenhague, na Dinamarca. Esses senhores e seus assessores científicos têm como missão chegar a um acordo mundial para conter o ritmo do aquecimento global. Esse fenômeno é normalmente benéfico, mas saiu de controle, aparentemente como resultado da atividade industrial humana, e agora pode desarranjar o clima da Terra a ponto de ameaçar a sobrevivência de inúmeras espécies e impor um modo de vida mais áspero e severo à própria humanidade.
A COP15 acaba no fim da próxima semana, e seu encerramento está sendo esperado com tal ansiedade que muitos nem sequer cogitam, por assustadora, a possibilidade de um fracasso. Talvez se deva começar a pensar com mais realismo nessa possibilidade. Por razões metodológicas e ideológicas, e também para não ampliar em demasia a pauta das discussões, dificultando ainda mais um acordo final, a questão populacional está em plano secundaríssimo em Copenhague. É estranho que ela tenha sumido dos debates sobre as soluções do aquecimento global, quando se sabe que esteve na base do seu diagnóstico desde o primeiro momento em que o aquecimento global foi visto como um perigo potencial. Quando o físico sueco Svante Arrhenius concluiu seus cálculos pioneiros sobre o efeito das moléculas de gás carbônico (CO2) no aumento da temperatura média do planeta, em 1896, a Terra era habitada por cerca de 1 bilhão de pessoas. Arrhenius foi o primeiro a perceber que o aumento na concentração de CO2 poderia aquecer demais o planeta. Pouco mais de um século depois do trabalho do sueco, a Terra tem 6,8 bilhões de habitantes e caminha para os 9,2 bilhões por volta de 2050. Serão 2,5 bilhões de pessoas a mais, e, graças ao sucesso da globalização econômica, a maioria delas atingirá um padrão de consumo de classe média. Isso tem um peso extraordinário não apenas na equação do aquecimento global, mas no frágil equilíbrio que a civilização ainda consegue manter em suas relações de rapina com o mundo natural. É enorme o impacto da explosão populacional aliado à emergência social e econômica de imensas massas humanas antes fadadas à miséria. Seus efeitos já se fazem sentir no aumento da demanda de alimentos em ritmo superior ao da oferta, como mostram as curvas do gráfico sobreposto ao globo-símbolo da COP15 nas páginas de abertura desta reportagem.
Vivo estivesse, o sueco Svante Arrhenius enfatizaria em Copenhague o fator populacional no descontrole aparente em que se encontra o efeito estufa global. A cada dia que passa, o mundo tem de sustentar 213 000 pessoas a mais. Cada ser humano adulto produz, em média, 4,3 toneladas de gás carbônico por ano sem fazer nada de mais - apenas ao acender uma lâmpada, andar de carro ou ônibus, alimentar-se e vestir-se. Esses novos passageiros da espaçonave Terra, em conjunto, passarão a responder, então, por 880 000 toneladas a mais de carbono arremessado na atmosfera. As estimativas de aumento de emissões de gases de efeito estufa contemplam o choque populacional. O documento final do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas da ONU diz com clareza que "o crescimento do produto interno bruto per capita e o da população foram os principais determinantes do aumento das emissões globais durante as últimas três décadas do século XX". Outro relatório divulgado há menos de um mês pelo Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA) chama a atenção para o equívoco de desprezar o aumento populacional no debate sobre o aquecimento: "Os gases de efeito estufa não estariam se acumulando de modo tão perigoso se o número de habitantes da Terra não aumentasse tão rapidamente, mas permanecesse em 300 milhões de pessoas, a população mundial de 1 000 anos atrás". O intrigante é que, nas ações propostas para os próximos anos, o fator aumento da população desaparece.
O tema é realmente explosivo e tem conotações sombrias, por erros cometidos no passado. Com razão ou não, muitas pessoas encaram qualquer sugestão para conter o ritmo de aumento populacional como uma interferência indevida de forças estranhas no livre-arbítrio de países, famílias e das próprias mães. Razões culturais e socioeconômicas contribuem para tirar qualquer efeito prático das assombrosas constatações do crescimento populacional desenfreado. São dois os motivos principais para isso. O primeiro é que existe uma inegável disparidade no volume de emissões individuais quando se comparam cidadãos de países ricos e pobres. Um americano joga, em média, 19 toneladas de gás carbônico na atmosfera anualmente. Um afegão morador das montanhas de seu belo país contribui com modestíssimos 26 quilos de CO2. Como exigir do montanhês afegão que - quando não foi recrutado pelo Talibã para plantar papoula, matéria-prima do ópio - vive do leite de suas cabras e da hortinha no quintal que refreie seus impulsos reprodutivos usando como argumento o peso que o pobre coitado está colocando sobre o planeta? É ridículo. A maior força moral está em convencer o bem-educado e bem nutrido americano médio a repensar seu modo de vida, optando por uma sobrevivência mais frugal. Vale dizer que, embora as conversões ao naturalismo e à alimentação orgânica se contem aos milhares todos os meses nos Estados Unidos, elas são insignificantes do ponto de vista global.
A segunda razão do encalacramento da questão populacional vem da noção, bastante razoável, diga-se, de que os avanços educacionais e os saltos tecnológicos são muito mais eficientes nesse caso do que qualquer política governamental. O dinamarquês Bjorn Lomborg, estrela no grupo dos cientistas céticos quanto aos efeitos do aquecimento global e à responsabilidade humana nele, está entre os que acreditam que a solução virá do avanço tecnológico. Disse Lomborg a VEJA: "Realmente o tema não é tratado aqui. Pela ordem, eu diria que conter o consumo é um pouco mais prioritário, mas, definitivamente, apressar a busca por novas tecnologias limpas é o mais importante de tudo". O economista carioca Sérgio Besserman, ex-presidente do IBGE, que participa da COP15, descrê de qualquer política centralizada que vise a determinar ou influenciar os casais a respeito do número de filhos que devem ter. Ele lembra que a elevação do padrão cultural e educacional da população sempre coincide com a diminuição da taxa de fecundidade. "Quan-do se torna mais amplo o acesso à educação, à cultura e ao conhecimento, as populações passam a crescer em ritmo menor e até a decrescer", diz.
O caso brasileiro é ilustrativo dessa constatação. Há trinta anos, as mulheres brasileiras apre-sentavam taxas de fecundidade que se contavam entre as maiores do mundo, rivalizando com os padrões africanos. No começo da década de 90, a situação apresentava melhoras, mas ainda era preocupante. As mulheres do Brasil rural tinham então, em média, 4,3 filhos - dois a mais do que as mães urbanas. Uma década mais tarde, a diferença entre o número de filhos de mães rurais e urbanas se reduziu para 1,2. Em 2006, a taxa geral de fecundidade no Brasil havia estacionado em dois filhos por mulher. Um avanço cujo progresso só pode ser explicado pelos fatores apontados por Besserman, uma vez que as campanhas de controle de natalidade há muito foram desativadas no Brasil.
Fenômeno semelhante deve ocorrer na Ásia e na África com as melhorias educacionais e com o aumento da proporção da população urbana em relação à rural. Viver em cidades é um grande fator de diminuição do número de filhos. A ONU calcula que o somatório desses fatores terminará por estabilizar a população do planeta na casa dos 9 bilhões a partir do ano 2050. A questão é como chegar até lá sem grandes traumas. O prognóstico não é bom. Estudos científicos mostram que o mundo natural está sendo testado em seu limite para sustentar os atuais 6,8 bilhões de passageiros da espaçonave Terra. Segundo o OPT, organização inglesa que desenvolveu um indicador confiável de sustentabilidade, nos níveis tecnológicos atuais, o máximo que o planeta comporta sem risco de exaustão são 5,1 bilhões de pessoas. No fim da próxima semana, de Copenhague, virá a sinalização se a humanidade captou o dramático pedido de socorro que a Terra está emitindo.
Muita esperança, poucos resultadosNem sempre as reuniões de líderes mundiais e seus
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Uma nova revolução verde
Para suprir o aumento na demanda mundial, a produtividade
do campo precisará duplicar. A resposta terá de vir do avanço tecnológico,
e não há razões para duvidar de que ela virá
Luís Guilherme Barrucho
Fotos Corbis/Latinstock; Reuters |
RESPOSTA À SUPERPOPULAÇÃO |
A matemática é simples, mas assusta. Nos próximos quarenta anos, a população mundial vai crescer 35% e superará 9 bilhões de pessoas. Ao mesmo tempo, a produção de alimentos precisará ser ampliada em 70%. Não apenas haverá mais humanos no globo como também eles serão mais ricos, terão uma expectativa de vida maior e necessitarão de mais calorias. A quantidade de cereais produzidos por ano terá de crescer dos atuais 2,1 bilhões para 3 bilhões de toneladas, e a oferta de carne, de 270 milhões para 470 milhões de toneladas. O desequilíbrio entre a oferta e a demanda já se refletiu num aumento do preço dos alimentos, que subiu 80%, em média, nas duas últimas décadas. A única saída para que o homem não seja vítima da profecia malthusiana de escassez de comida estará mais uma vez na tecnologia. Graças à Revolução Verde dos anos 60, liderada pelo cientista americano e prêmio Nobel Norman Borlaug (1914-2009), a produtividade agrícola mais que dobrou. Agora será preciso dar um novo salto. "O mundo é perfeitamente capaz de produzir a comida de que necessita para as gerações futuras, mas terá de expandir os investimentos em pesquisa, tecnologia e infraestrutura", afirmou a VEJA Per Pinstrup-Andersen, da Universidade Cornell.
A seguir, os três caminhos vitais a ser seguidos para alimentar o planeta nos próximos anos.
Modernização das lavouras
Segundo o relatório "Como alimentar o mundo em 2050", da FAO, a entidade das Nações Unidas para agricultura e alimentação, 90% do crescimento na oferta de comida se dará pelos ganhos de eficiência nos campos. Um bom começo é difundir as tecnologias já existentes. "Apesar de os países desenvolvidos utilizarem técnicas inovadoras, a maior parte do planeta ainda produz comida com tecnologia rudimentar", afirmou a VEJA Alain de Janvry, da Universidade da Califórnia, em Berkeley. A cada hectare de milho plantado, são colhidos 38 quilos nos Estados Unidos, 24 quilos no Brasil e apenas 11 quilos na África Subsaariana. Uma iniciativa é avançar na mecanização. Nos laboratórios do Massachusetts Institute of Technology (MIT) se desenvolvem robôs agrícolas. Outra técnica promissora é a agricultura de precisão, método que permite um manejo mais detalhado da lavoura por meio do mapeamento do solo, por satélite ou amostras laboratoriais de terra. Resume o representante da FAO para o Brasil, José Tubino: "Devemos buscar soluções que sejam sustentáveis e, ao mesmo tempo, mitiguem a mudança climática".
Biotecnologia
Apesar de ainda despertar um sem-número de polêmicas, a engenharia genética é vista como a salvação para o futuro da comida no planeta. "Através da utilização de sementes geneticamente modificadas, busca-se aprimorar as qualidades de determinado alimento com atributos obtidos de outras espécies ou bactérias. Isso eleva os ganhos de produtividade em até 10%", afirmou a VEJA Rodrigo Santos, diretor da Monsanto. No Brasil, um exemplo é o milho YieldGard (Bt), resistente às três pragas típicas dessa lavoura: a lagarta-do-cartucho, a lagarta-da-espiga e a broca-da-cana. Para os próximos anos, a Monsanto, líder mundial do setor, planeja lançar sementes tolerantes a secas prolongadas e que produzam alimentos mais nutritivos. Também estão sendo pesquisadas variedades de cana-de-açúcar com o dobro do poder energético.
Expansão da fronteira agrícola
Nos últimos quarenta anos, a área destinada à agricultura no mundo avançou somente 10%. Na Europa, ela está próxima de seu limite, mas ainda há espaço para crescer no Brasil e na África, principalmente. São essas regiões que atraem a cobiça de investidores estrangeiros, sobretudo aqueles de países que dependem da importação de alimentos. É o caso da Arábia Saudita, que planeja gastar 250 milhões de dólares em plantações na Etiópia e no Sudão. Os sauditas sofrem com a escassez de água. Por isso, decidiram que até 2016 deixarão de plantar trigo, cujo cultivo precisa ser permanentemente irrigado. Os chineses, de maneira semelhante, têm comprado propriedades. Foi o bastante para que se levantassem questionamentos sobre uma nova forma de imperialismo, o "agroimperialismo". Diz Paul Collier, da Universidade de Oxford: "A África precisa do tipo de agricultura comercial presente em países como o Brasil, mas não dispõe de recursos. Todos poderão sair ganhando".
Divulgação |
ROBÓTICA AGRÍCOLA |
Riqueza ameaçada
O governo federal prorroga uma norma ambiental que pode
reduzir a produção de alimentos no Brasil. Mas o mais urgente
ainda está por ser feito: reformar o confuso Código Florestal
Diogo Schelp
Rodolfo Buhrer/AE |
INSEGURANÇA JURÍDICA Colheita de soja em Tangará da Serra, em Mato Grosso: quem desmatou antes de mudanças na lei também é punido |
Até 2001, as proporções para as reservas legais eram de 50% para as propriedades situadas na Amazônia e 20% para as localizadas no cerrado. Uma alteração na lei elevou essas porcentagens e, nos últimos dois anos, foram apresentadas quase duas dezenas de propostas de alteração do código na Câmara dos Deputados. Nenhuma delas conseguiu unir ruralistas e ambientalistas em torno de uma solução que concilie a preservação ambiental com a viabilidade do agronegócio. Com as exigências atuais, porém, o Código Florestal não pode ser aplicado sem que obrigue muitos agropecuaristas a reduzir sua produção. Dessa comprovação nasceu neste ano o seguinte debate: considerando todas as leis ambientais e correlatas, quanto ainda sobra de terra no Brasil para a agricultura e a pecuária? Um estudo feito pela Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) concluiu que a soma das áreas já conservadas por lei com aquelas previstas pela norma do código e o território ocupado por áreas urbanas e infraestrutura resultaria em uma diminuição de 28 milhões de hectares para o agronegócio. O Ministério do Meio Ambiente (MMA) chegou à conclusão oposta: que ainda haveria uma sobra de pelo menos 51 milhões de hectares para a expansão agrícola. A divergência reside, grosso modo, na maneira de calcular a área que as reservas legais ocupariam caso fossem respeitadas: o MMA faz a estimativa apenas sobre a área total das atuais propriedades rurais, enquanto a Embrapa leva em consideração todo o território nacional.O governo prorrogou, na semana passada, uma medida que coloca na ilegalidade 90% dos produtores rurais do país. A norma exige de todos os proprietários a comprovação de que suas terras possuem reserva legal, sob pena de receberem multas diárias de até 500 reais por hectare. A reserva legal, prevista no Código Florestal, é uma área preservada que deve ocupar 80% de cada fazenda no bioma amazônico, 35% no cerrado e 20% no resto do país. O registro da reserva legal equivale a forçar os produtores a criar provas contra si próprios, já que são raros os que mantêm essas áreas intocadas em suas terras. O governo não eliminou essa aberração jurídica no novo decreto, e o prazo de dois anos para se adequar à norma só vale para os agricultores que assinarem um compromisso de regularização da reserva legal. Quem não puder fazê-lo - ou não quiser aceitar o confisco de, no mínimo, um quinto de sua propriedade para fins ambientais - ficará sujeito a autuações, a multas e ao embargo de sua produção. Bom apenas no papel, o Código Florestal está em descompasso com a realidade do campo, o que põe em risco um setor econômico responsável por mais de um terço da pauta de exportações brasileira.
Mesmo se ainda existir espaço para ampliar o agronegócio, o fato incontestável é que isso não valeria para as regiões agrícolas cuja ocupação se deu há mais de quatro décadas. Nesses lugares, situados em sua maioria no Sul e no Sudeste, cumprir o Código Florestal significaria substituir áreas tradicionais de cultivo e pastagem por reflorestamento com árvores nativas. No Rio Grande do Sul, por exemplo, as reservas legais são praticamente inexistentes. Para cumprir essa regra, seria preciso transformar 20% da área agrícola do estado em florestas, o que representaria um prejuízo equivalente a 7,6% do PIB anual gaúcho e a eliminação de 778 000 empregos. Em São Paulo, o agronegócio deixaria de faturar 8 bilhões de reais por ano. "Para além dos prejuízos imensos, isso teria um efeito negativo sobre o ambiente, porque tudo o que deixar de ser plantado no Sul e Sudeste vai migrar para as novas fronteiras agrícolas, onde a terra é mais barata e a fiscalização ambiental menos eficiente", diz o engenheiro agrônomo José Sidnei Gonçalves, pesquisador do Instituto de Economia Agrícola, em São Paulo. Ou seja, recuperar a reserva legal nessas regiões de colonização antiga aumentaria, indiretamente, o desmatamento na Amazônia.
Outro ponto de discussão no Código Florestal são as regras para as áreas de preservação permanente (APPs), que têm funções ecológicas especiais, como proteger as nascentes e os terrenos íngremes. O fato de APPs e reservas legais serem complementares - a mata nativa à beira de cursos de água, por exemplo, não pode ser contada como reserva - diminui ainda mais a porção agriculturável das propriedades. Para completar, e aí está o nó principal, muitas áreas de cultivo tradicionais estão situadas em APPs. Boa parte do arroz do Rio Grande do Sul é plantada em várzeas, margens de rio sujeitas a inundações. Já as uvas da Serra Gaúcha, as maçãs de Santa Catarina e o café do sul de Minas Gerais são cultivados em terrenos acidentados - encostas e topos de morro, também considerados APPs. "A solução é simples: quem conseguir comprovar que sua produção na margem de um rio ou na encosta de um morro é tradicional e não tem impacto ambiental será liberado", diz Tasso Azevedo, ex-diretor do Serviço Florestal Brasileiro, ligado ao Ministério do Meio Ambiente.
Fácil dizer, difícil fazer. Para um agricultor, talvez seja preferível deitar no pasto na rota de um estouro de boiada a entrar em um órgão de fiscalização ambiental para pedir qualquer tipo de autorização. A burocracia e a má vontade são tantas que existe gente esperando há mais de um ano por uma permissão para instalar uma simples bomba no rio para fazer irrigação de sua lavoura. "E não é só isso: como a lei ambiental brasileira é dúbia e sem rigor científico, há muito espaço para corrupção e favorecimento pessoal por parte dos fiscais", diz o advogado paulista Francisco de Godoy Bueno, diretor do Instituto Brasil de Direito Ambiental e Agrário. Tido como o celeiro do mundo e dono de uma biodiversidade invejável, o país precisa equilibrar agropecuária com defesa ambiental. Mas não é esmagando os homens do campo que vai conseguir atingir o ponto perfeito.
LEI RETROATIVA
Quadro: A guerra dos mapas |