JORNAL DO COMMERCIO (PE)
Fenômeno vulcânico que ocorre a grande profundidade e produz uma massa mineral pastosa em estado de ebulição. Resfriada, se petrifica e assume as mais estranhas formas. Para sempre.
Quinta-feira foi dia de assistir a mais um espasmo das entranhas da terra e o resíduo que expeliu juntou-se irremediavelmente aos que, a partir de fevereiro deformam as instituições do Estado brasileiro. Um vulcão silencioso, pertinaz e pútrido desfigura com incrível persistência a frágil estrutura democrática que em 1985 substituiu o regime militar.
É uma aberração jurídica a decisão (na verdade, indecisão) do Supremo Tribunal Federal diante do recurso apresentado pelo jornal O Estado de S. Paulo contra a censura prévia imposta pelo Tribunal de Justiça de Brasília. Um maneirismo bacharelesco aprovado por 6 a 3 considerou descabido o recurso apresentado pelo jornal e desconsiderou o flagrante atentado à Constituição perpetrado há 133 dias consecutivos pelos censores togados da Capital em benefício do clã Sarney.
Com o pretexto de julgar apenas o cabimento do recurso, o ministro-relator Cezar Peluso (vice-presidente da Casa) acabou escancarando os seus preconceitos ao afirmar que a liberdade de expressão não é absoluta e que a mordaça imposta ao jornalão não configura uma censura judicial. Sem qualquer constrangimento e imaginando que o cidadão brasileiro não tem discernimento para perceber manhas e artimanhas forenses, o Meritíssimo mergulhou de cabeça no mérito da questão. E como já se esperava, foi coadjuvado pelo eminente presidente do STF, Gilmar Mendes, cujo desprezo pelo exercício do jornalismo tornou-se notório quando comparou jornalistas a chefes de cozinha.
Apenas três ministros (os bravos Celso de Melo, Carlos Ayres Brito e Carmen Lúcia) se revoltaram contra o arquivamento do recurso do Estadão enquanto permanece intacto e impune o atentado à Constituição e ao estado de direito democrático perpetrado pelo desembargador Dácio Vieira do Tribunal de Justiça brasiliense, amigo dileto dos Sarney. O ministro Marco Aurélio de Melo, geralmente independente, participou dos debates e não votou. Fica devendo à sociedade uma explicação convincente sobre a preocupante omissão.
Mais do que o Legislativo e o Executivo, o Judiciário é uma referência sobre o que é justo e injusto, certo e errado. Mesmo quando recorre ao rebuscado e bizarro linguajar processual, a suprema corte funciona como instituição balizadora, destinada a emitir sinais e paradigmas que, de alguma forma, alcançarão o cidadão.
A mensagem burocrática, imprecisa, eivada de suspeições e visivelmente irresponsável enunciada nesta quinta-feira pelo STF completa um quadro institucional desolador. O senador José Sarney, pivô da censura e beneficiário direto das mutretas jurídicas, está completamente desmoralizado e, não contente com o último lance da sua biografia política, arrasta para a lama as duas casas legislativas federais. O correligionário Michel Temer, presidente da Câmara, sempre beneficiado pelas sombras, finalmente apareceu sob a luz dos holofotes envolvido no turbilhão de favores do propinoduto de Brasília.
O colossal escândalo protagonizado pelo governador do DF, José Roberto Arruda, serviu para escancarar a precariedade do sistema partidário. O DEM, Democratas, a partir do nome e da sigla, é uma piada. Não é conservador, não é progressista, não é ambientalista, ruralista, católico ou evangélico: é apenas feudal. Ou medieval. Só difere dos demais porque é um microcosmo do pântano ideológico em cima do qual flutuam as três dezenas de partidos.
O quadro completa-se com um Executivo tão obcecado pelo marketing eleitoral que não consegue pensar no dia seguinte. Com o pé no acelerador, acerta e erra com um formidável entusiasmo esquecido das esquinas da vida. Esquecido, sobretudo, dos imprevistos estragos que a irrupção contínua de magma provoca na superfície.