"Praticamente sem aumentar os custos, dona Vicky conseguiu
que estudantes do interior obtivessem desempenho melhor
em testes do que os citadinos"
Ilustração Atômica Studio |
Vicky Colbert passou pelo Brasil e não conseguiu me encontrar. Pois não é que na semana seguinte descobri que estávamos no mesmo hotel em Doha (Catar)? Eu era parte da plateia de um monumental evento sobre ensino e inovação. Ela estava lá para receber um prêmio. Aliás, há dois anos nos encontramos na Clinton Global Initiative, em que ela ia receber outro prêmio. São muitos! Para o Banco Mundial, suas escolas estão entre as três maiores inovações no ensino, pois países em desenvolvimento podem reproduzi-las em grande escala.
Dona Vicky, uma socióloga colombiana, é a mentora das Escuelas Nuevas em seu país. O interior da Colômbia é, pelo menos, tão atrasado e pobre como o nosso. Portanto, não espanta que a qualidade da educação fosse pior do que a urbana. De fato, é assim em todos os países. Mas na Colômbia mudou. Após a implantação da Escuela Nueva na zona rural, caíram a repetência e a reprovação. Aumentaram também os escores nos testes. Os resultados passaram a ser melhores que os das urbanas (e, junto com Cuba, os mais elevados na América Latina).
Note-se que em grande parte as escolas rurais são unidocentes, isto é, são escolas muito pequenas, nas quais um professor ensina simultaneamente em várias séries iniciais. Somam-se o atraso e o isolamento rural ao desafio extra de lidar com todas as séries em uma mesma sala e com um único professor. Praticamente sem aumentar os custos, dona Vicky conseguiu que seuscaipiras obtivessem mais pontuação nos testes do que os citadinos. A inovação se alastrou. Hoje está em 35 países e matricula 5 milhões de alunos. No Norte e Nordeste do Brasil, há 4 000 escolas que adotaram o método, mas têm pouca divulgação e sabemos pouco dos resultados. O que fez dona Vicky para obter tão retumbante sucesso? Onde está a diferença, diante de tantas ideias redentoras que circulam por aí? Na verdade, o principal segredo é pôr em prática uma solução integrada. São várias medidas e inovações que se juntam para fazer a diferença. De fato, não se reforma a educação com uma única providência miraculosa. É o conjunto que origina massa crítica. O mérito de dona Vicky e de sua equipe foi refinar essas providências e montar a máquina administrativa que fez tudo funcionar.
Os materiais escolares foram especialmente desenhados para o programa e se baseiam nos princípios da educação ativa. Os professores são cuidadosamente preparados para usá-los com competência, além de receberem acompanhamento permanente do projeto. Há encontros frequentes, a fim de discutir práticas de ensino. A ampla participação da comunidade requer estratégias apropriadas, para que ela se aproxime da escola, apoie suas propostas e se incorpore aos projetos práticos dos alunos. Sem fórmulas mágicas, é um feijão com arroz bem temperado.
Porém, há diferenças. Uma delas está na ênfase na cooperação entre os estudantes e, também, na integração com a comunidade. Outra diferença são as salas de aula e as atividades ao ar livre, em que se combinam os assuntos escolares com aplicações práticas. A ênfase na leitura e na compreensão é um foco central do aprendizado. Talvez mais surpreendente, os livros e guias são autoinstrucionais, ou seja, cada aluno estuda por conta própria, caminha em seu ritmo e toma decisões. Nas atividades de leitura, os estudantes avaliam o desempenho uns dos outros. Em grande medida, tais soluções reduzem as clássicas aulas expositivas, liberando o professor para atender os alunos mais necessitados de apoio individualizado.
Agora que as escolas rurais têm uma fórmula consolidada, dona Vicky está adaptando o modelo para as urbanas. Ainda não foi possível avaliar os resultados, mas, segundo ela, parecem promissores. Uma segunda iniciativa é estimular a participação das empresas. Ao longo do tempo, observou-se que as mudanças políticas trazem instabilidade e perdas às escolas (não é só na Escuela Nueva!). O novo prefeito tem ideias diferentes. Daí a procura de parceiros nas empresas privadas que queiram ajudar as escolas públicas, pois podem amortecer a volatilidade trazida pela politicagem. Como as empresas colombianas e brasileiras têm grande protagonismo na educação pública, dona Vicky se aproxima do nosso país para prosseguir nos seus experimentos. Segundo disse, busca sócios caboclos. Alguém se habilita?