O GLOBO
O Supremo Tribunal Federal (STF) esteve no centro dos debates políticos nos últimos dias, na situação incomum de ver suas decisões serem questionadas ao vivo pelos próprios membros, no caso da censura judicial ao jornal “O Estado de S. Paulo”, ou por um governo estrangeiro, no caso o da Itália, que pediu esclarecimentos sobre o voto do ministro Eros Grau no processo da extradição do terrorista Cesare Battisti
Na discussão sobre se a decisão judicial de proibir o jornal “O Estado de S. Paulo” de publicar uma reportagem feria o que o Tribunal havia decidido sobre liberdade de imprensa, ao se definir pelo fim da Lei de Imprensa, uma questão técnica se sobrepôs à discussão conceitual sobre o tema.
Segundo o jurista Sérgio Bermudes, considerado um dos maiores constitucionalistas do país, “não cabia a reclamação, que só vale quando num determinado processo há o descumprimento de uma decisão proferida. Por exemplo, o Supremo anulou um determinado contrato, e os tribunais inferiores decidem dar execução a esse contrato. A parte lesada pode reclamar ao Supremo”.
No caso do “Estadão”, explica Bermudes, tecnicamente a decisão do ministro Cezar Peluso estava certa, por que não houve um descumprimento de decisão no caso específico. “O Supremo se pronunciou contra a Lei de Imprensa, mas não se pronunciou naquele processo específico, se pronunciou genericamente.
Se o Supremo tivesse declarado a Lei de Imprensa inconstitucional em uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin), aí sim a reclamação valeria. Mas nesse caso não vale”, diz.
Nos bastidores do STF, corre que o voto do ministro Ayres Britto sobre a Lei de Imprensa teria sido muito mais amplo do que a maioria da Corte queria, e agora os juízes estariam começando a modelar a liberdade de imprensa, que teria sido excessiva para muitos deles.
A tendência do Supremo é reafirmar o princípio a favor da liberdade de imprensa, mas agora querem ver caso a caso como se aplica. E eventualmente uma interpretação mais restrita pode surgir.
No caso da extradição de Cesare Battisti, a polêmica começou logo no dia seguinte à votação, quando o relator, o mesmo Cezar Peluso, disse que não tinha condições intelectuais para redigir a decisão do Supremo, ressaltando pela ironia o que considerava incongruência da decisão de extraditar o italiano, mas permitir que o presidente da República não cumpra os acordos internacionais firmados pelo país.
A palavra-chave na votação foi “discricionário”. Os ministros que votaram a favor de que cabia ao presidente da República a decisão final sobre a extradição consideraram que ele tinha poderes “discricionários” para decidir, o que na ocasião foi discutido em plenário e transmitido ao vivo pela TV Justiça.
O ministro Eros Grau se recusou, na ocasião, mesmo instado pelo presidente do Supremo, Gilmar Mendes, a incluir no seu voto a definição de que o presidente deveria seguir o tratado de extradição firmado com o governo italiano.
Dias depois, questionado pelo governo italiano por uma “questão de ordem”, Eros Grau admitiu que seu voto não dava poderes “discricionários” ao presidente da República.
O jurista Joaquim Falcão, diretor da Faculdade de Direito da FGV do Rio, diz que o Supremo “é o local das interpretações conflitivas, e isso não chamo de divisão. Não há divisão em termos políticos ou doutrinariamente ideológica. A tendência do Supremo não é previsível, o que é bom. Mas a imprevisibilidade gera insegurança”.
Para Joaquim Falcão, televisionar a reunião do Supremo “antecipa interpretações sobre o voto e permite esse vai e vem”. A publicidade, com a natural divergência, estaria criando uma situação de insegurança. “Não se faz Supremo sem a comunicação das decisões”.
O Supremo Tribunal Federal (STF) esteve no centro dos debates políticos nos últimos dias, na situação incomum de ver suas decisões serem questionadas ao vivo pelos próprios membros, no caso da censura judicial ao jornal “O Estado de S. Paulo”, ou por um governo estrangeiro, no caso o da Itália, que pediu esclarecimentos sobre o voto do ministro Eros Grau no processo da extradição do terrorista Cesare Battisti
Na discussão sobre se a decisão judicial de proibir o jornal “O Estado de S. Paulo” de publicar uma reportagem feria o que o Tribunal havia decidido sobre liberdade de imprensa, ao se definir pelo fim da Lei de Imprensa, uma questão técnica se sobrepôs à discussão conceitual sobre o tema.
Segundo o jurista Sérgio Bermudes, considerado um dos maiores constitucionalistas do país, “não cabia a reclamação, que só vale quando num determinado processo há o descumprimento de uma decisão proferida. Por exemplo, o Supremo anulou um determinado contrato, e os tribunais inferiores decidem dar execução a esse contrato. A parte lesada pode reclamar ao Supremo”.
No caso do “Estadão”, explica Bermudes, tecnicamente a decisão do ministro Cezar Peluso estava certa, por que não houve um descumprimento de decisão no caso específico. “O Supremo se pronunciou contra a Lei de Imprensa, mas não se pronunciou naquele processo específico, se pronunciou genericamente.
Se o Supremo tivesse declarado a Lei de Imprensa inconstitucional em uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin), aí sim a reclamação valeria. Mas nesse caso não vale”, diz.
Nos bastidores do STF, corre que o voto do ministro Ayres Britto sobre a Lei de Imprensa teria sido muito mais amplo do que a maioria da Corte queria, e agora os juízes estariam começando a modelar a liberdade de imprensa, que teria sido excessiva para muitos deles.
A tendência do Supremo é reafirmar o princípio a favor da liberdade de imprensa, mas agora querem ver caso a caso como se aplica. E eventualmente uma interpretação mais restrita pode surgir.
No caso da extradição de Cesare Battisti, a polêmica começou logo no dia seguinte à votação, quando o relator, o mesmo Cezar Peluso, disse que não tinha condições intelectuais para redigir a decisão do Supremo, ressaltando pela ironia o que considerava incongruência da decisão de extraditar o italiano, mas permitir que o presidente da República não cumpra os acordos internacionais firmados pelo país.
A palavra-chave na votação foi “discricionário”. Os ministros que votaram a favor de que cabia ao presidente da República a decisão final sobre a extradição consideraram que ele tinha poderes “discricionários” para decidir, o que na ocasião foi discutido em plenário e transmitido ao vivo pela TV Justiça.
O ministro Eros Grau se recusou, na ocasião, mesmo instado pelo presidente do Supremo, Gilmar Mendes, a incluir no seu voto a definição de que o presidente deveria seguir o tratado de extradição firmado com o governo italiano.
Dias depois, questionado pelo governo italiano por uma “questão de ordem”, Eros Grau admitiu que seu voto não dava poderes “discricionários” ao presidente da República.
O jurista Joaquim Falcão, diretor da Faculdade de Direito da FGV do Rio, diz que o Supremo “é o local das interpretações conflitivas, e isso não chamo de divisão. Não há divisão em termos políticos ou doutrinariamente ideológica. A tendência do Supremo não é previsível, o que é bom. Mas a imprevisibilidade gera insegurança”.
Para Joaquim Falcão, televisionar a reunião do Supremo “antecipa interpretações sobre o voto e permite esse vai e vem”. A publicidade, com a natural divergência, estaria criando uma situação de insegurança. “Não se faz Supremo sem a comunicação das decisões”.
As dúvidas sobre o voto do ministro Grau não existiriam se os procedimentos do Supremo Tribunal Federal fossem semelhantes aos da Suprema Corte dos Estados Unidos, lembra Falcão.
Lá, os juízes ouvem as partes sem que discutam entre si, apenas arguem os advogados.
Depois, se trancam em uma sala que não tem nem secretária, e discutem, às vezes vigorosamente, até chegarem a um acordo.
Falcão diz que, quando nos Estados Unidos se anuncia o voto do Supremo, “já se anuncia a ementa, que palavra por palavra é discutida antes da divulgação da decisão.
O debate não é público.
Também o voto derrotado é divulgado”.
O jogo de poder está na formulação da ementa, que é o anúncio oficial da Corte sobre o resultado final do julgamento.
No caso da Lei de Imprensa, por exemplo, a ementa de Carlos Ayres Britto dizia a certa altura:
“Não há liberdade de imprensa pela metade ou sob as tenazes da censura prévia, inclusive procedente do Poder Judiciário, sob pena de se resvalar para o espaço inconstitucional da prestidigitação jurídica.” Os juízes do Supremo que discordam dessa afirmação tão ampla deveriam ter impedido que a ementa fosse publicada nesses termos, para deixar claro que, em outros julgamentos, a questão seria retomada.
Um dos sucessos do Supremo dos Estados Unidos, segundo Falcão, é ir moldando suas decisões ao longo do tempo. Ele exemplifica com o conceito de pena de morte, que nestes últimos anos foi sendo afinado.
Primeiro aprovaram sua legalidade, anos depois disseram que não pode ser aplicada em menores, e mais adiante, ao aprofundar o que seria “punição cruel e fora do comum”, a Suprema Corte definiu que determinado tipo de injeção não pode ser aplicada, por ser “cruel”. “Esse processo de refinamento é natural”.
Para Joaquim Falcão, o que está em jogo é qual o nível de pressão que o Supremo pode aceitar.
Um dos sucessos do Supremo dos Estados Unidos, segundo Falcão, é ir moldando suas decisões ao longo do tempo. Ele exemplifica com o conceito de pena de morte, que nestes últimos anos foi sendo afinado.
Primeiro aprovaram sua legalidade, anos depois disseram que não pode ser aplicada em menores, e mais adiante, ao aprofundar o que seria “punição cruel e fora do comum”, a Suprema Corte definiu que determinado tipo de injeção não pode ser aplicada, por ser “cruel”. “Esse processo de refinamento é natural”.
Para Joaquim Falcão, o que está em jogo é qual o nível de pressão que o Supremo pode aceitar.
“Quando o Supremo aceita pressões que podem mudar votos já dados, ou nuançar votos já dados, é um problema gravíssimo para o país”, adverte