O GLOBO
O governo propôs que a União fique com a parte do Leão e ainda avance sobre o que é dos outros bichos da floresta. Este é o sistema de divisão do bolo tributário das receitas do pré-sal. O governo transformou o petróleo em palanque, armou um conflito federativo entre os estados produtores e não produtores, e fez o oposto do que o presidente Lula prometeu aos governadores.
E por que o Rio briga? Simples. O Rio produz 1,5 milhão de barris/dia, 83% da produção brasileira. Em termos de reservas provadas, o Rio tem 10,2 bilhões de barris, e 81% das reservas do Brasil. Se fosse um país, o Rio teria produzido em 2008 mais do que o Reino Unido, ou o Catar, ou a Indonésia; e teria reservas maiores do que as da Noruega. Nessas contas, feitas pela Centro Brasileiro de Infraestrutura (CBIE), não está o petróleo do pré-sal, explica Adriano Pires.
Camadas e camadas de sal foram sobrepostas e tornam esse conflito um caso espantoso.
Na reunião da segundafeira, no Rio, os governadores Sérgio Cabral e Paulo Hartung ligaram para o presidente Lula.
Ele ficou de retornar e só ontem à tarde ligou. Prometeu a Cabral que tentará reequilibrar a divisão do bolo. É a segunda vez que promete.
O presidente Lula prometeu em agosto reduzir a fatia da União nos royalties. Ela aumentou. Prometeu manter a Participação Especial. Ela foi abolida. As promessas foram feitas no jantar em que o presidente tentava salvar a festa do pré-sal, acalmando os governadores do Rio, Espírito Santo e São Paulo.
Antes, os royalties eram 10% sobre a receita bruta. A União ficava com três pontos percentuais desse bolo; os estados produtores, com 2,625 p.p.; os municípios produtores, com 2,625; os municípios com instalação — como portos, unidades de tratamento —, com 0,875; os estados e municípios não produtores, com 0,875. Só que estados e municípios produtores recebiam também Participação Especial.
Na proposta mudada pela comissão especial do Congresso, os royalties crescem para 15%, mas a União passa a ter 4,5 pontos percentuais; os estados produtores ficam com 2,7; os municípios produtores, com 0,9; os municípios com instalações, 0,3; e os estados e municípios não produtores, com 6,6. Esse último percentual será dividido no mesmo esquema do Fundo de Participação dos Estados e Municípios.
Com o novo modelo, o governo fica com 60% do que for objeto de partilha. Assim: da receita da venda do petróleo reduzem-se os custos de produção, os impostos. O que sobrar é dividido dessa forma: 60% para a União, 40% para o consórcio produtor.
Os estados produtores não levam nada.
A garantia dada tanto pelo governador Paulo Hartung, quanto pelo secretário de Desenvolvimento do Rio, Julio Bueno, é que eles não querem reduzir a parcela dos estados e municípios não produtores. Querem aumentar a própria fatia, mas tirando da União.
— Ela já fica com a parte do Leão na partilha e ainda avança sobre os royalties, nós não achamos isso justo — disse Hartung.
A proposta do Rio e ES é dobrar a fatia dos estados produtores: de 2,7 pontos percentuais do imposto para 5,3 pontos percentuais.
— Hoje, a Participação Especial é quase duas vezes os royalties e nós vamos perder esse imposto; é justo aumentar os royalties — afirmou Bueno.
O governo armou para cima dos estados produtores.
Montou uma caixa de marimbondo para eles botarem a mão. O relatório do deputado Henrique Eduardo Alves sobe de 0,8 para 6,6 pontos percentuais a fatia dos estados e municípios não produtores na divisão dos royalties. E por que fez isso? Elementar, é para isolar as bancadas dos produtores e unir os não produtores. É para criar um conflito na Federação para melhor reinar.
Os estados produtores decidiram não entrar nessa briga.
Acham que os estados não produtores também devem ter uma parte da riqueza gerada pelo pré-sal, acham apenas que é preciso evitar a continuação da tendência de concentração da receita nas mãos da União, que tem sido a regra no Brasil.
Os estados produtores perdem também na capitalização da Petrobras. Ela será feita com cinco bilhões de barris das reservas de petróleo cedidas à empresa, e sobre os quais não caberá pagamento de royalty.
Mas há outras camadas de sal. O Brasil teve sucesso com o modelo de concessão, que gerou até agora R$ 100 bilhões de arrecadação entre royalties e Participação Especial.
Digamos que o governo considere que o petróleo do pré-sal tem menos risco. Bastava para isso alterar o percentual do imposto.
O governo preferiu mudar todo o modelo. E fez isso por quê? Entre outros objetivos, queria transformar o petróleo em palanque para a campanha eleitoral.
Digamos que fosse realmente necessário fazer um novo marco regulatório para o petróleo do pré-sal e que essa nova forma fosse melhor do que a anterior.
Ainda assim faltaria explicar um detalhe. O regime de partilha valerá para o présal e para as áreas estratégicas.
E quem diz quais são as áreas estratégicas é uma comissão. Ou seja, é um marco regulatório que cria uma incerteza regulatória: vai ser um marco na história dos marcos!