Editorial de O Estado de S Paulo
O Mercosul negociou em 2004 um acordo de livre comércio com Venezuela, Equador e Colômbia, posto em vigor em fevereiro de 2005. Esse acordo ampliou as possibilidades de intercâmbio entre empresas brasileiras e venezuelanas. Desde os anos 90 as trocas aumentavam de forma acelerada - e poderão continuar aumentando, sem depender de novos pactos comerciais. Mas uma união aduaneira tem objetivos mais amplos e envolve compromissos mais complexos. Os países-membros dispõem-se a atuar em conjunto em relação a parceiros de fora do bloco. Devem adotar uma tarifa externa comum e negociar em conjunto acordos comerciais com outros países ou blocos. Nem todos os senadores parecem haver entendido esse detalhe. Vários defenderam a admissão da Venezuela argumentando com base na importância de seu comércio com o Brasil. Esse argumento apenas demonstra um notável desconhecimento do assunto.
Ninguém é obrigado, em princípio, a entender de acordos internacionais, mas é um dever elementar buscar informações antes de se pronunciar a respeito de uma questão importante. Os diplomatas têm a obrigação de conhecer todos esses detalhes e alguns altos funcionários do Itamaraty certamente os conhecem. Mas não contribuíram para esclarecer os parlamentares ou, pior que isso, apoiaram com entusiasmo o risco de um Chávez com poder de voto e veto no Mercosul.
Se a adesão da Venezuela for aprovada pelo Senado brasileiro e, em seguida, pelo paraguaio, os próximos acordos comerciais do bloco ficarão sujeitos às pretensões políticas de Chávez e aos critérios do bolivarianismo. O currículo de Chávez, incluídas as suas desastrosas participações em eventos internacionais na América Latina, autoriza todos os temores. Sua incapacidade de reconhecer limites é notória, assim como sua disposição de criar conflitos. Nem é preciso mencionar a costumeira submissão do presidente Luiz Inácio Lula aos desejos do caudilho venezuelano nem, tampouco, os favores feitos por Chávez, com petrodólares, ao casal Kirchner.
A Comissão de Relações Exteriores do Senado aprovou o ingresso da Venezuela no dia 29, uma semana depois de entrar em vigor a nova lei das Forças Armadas venezuelanas. Essa lei reorganiza as milícias bolivarianas. No dia 29, quando se reuniu a comissão do Senado brasileiro, o ministro de Obras da Venezuela anunciou a criação de uma milícia para apoiar a tomada de terrenos destinados a habitações. Governos bem estabelecidos e democráticos não costumam recorrer a grupos armados paralelos para suas políticas. Não há como separar o Estado venezuelano e o governante, quando se discute a ampliação do Mercosul. Ninguém sabe quando Chávez deixará o governo nem qual será seu legado. Só por tolice, ou cinismo, é possível fazer abstração de sua figura, neste caso.
Algumas empresas brasileiras pressionaram os senadores. Têm interesses na Venezuela e fizeram um jogo tão previsível quanto estreito em seus objetivos. A Confederação Nacional da Indústria, com uma perspectiva muito mais ampla, há muito tempo havia mostrado os perigos da admissão da Venezuela de Hugo Chávez. Além disso, os senadores governistas aceitaram, de forma escandalosa, inverter o processo e receber um novo sócio no Mercosul antes do acerto de todas as condições. Nenhum país entra na União Europeia sem um severo vestibular. A Rússia negocia há 19 anos o ingresso na OMC. O presidente Lula e seus companheiros julgam dispensável a mesma seriedade quando se trata do Mercosul e dos interesses brasileiros